TEMA: Amor está no
centro da experiência cristã
A liturgia do 31° Domingo do Tempo Comum diz-nos que o amor está no
centro da experiência cristã. O caminho da fé que, dia a dia, somos
convidados a percorrer, resume-se no amor Deus e no amor aos irmãos -
duas vertentes que não se excluem, antes se complementam mutuamente.
A primeira leitura apresenta-nos o início do "Shema' Israel" - a solene
proclamação de fé que todo o israelita devia fazer diariamente. É uma
afirmação da unicidade de Deus e um convite a amar a Deus com todo o
coração, com toda a alma e com todas as forças.
O Evangelho
diz-nos, de forma clara e inquestionável, que toda a experiência de fé
do discípulo de Jesus se resume no amor - amor a Deus e amor aos
irmãos. Os dois mandamentos não podem separar-se: "amar a Deus" é
cumprir a sua vontade e estabelecer com os irmãos relações de amor, de
solidariedade, de partilha, de serviço, até ao dom total da vida. Tudo o
resto é explicação, desenvolvimento, aplicação à vida prática dessas
duas coordenadas fundamentais da vida cristã.
A segunda leitura
apresenta-nos Jesus Cristo como o sumo-sacerdote que veio ao mundo para
cumprir o projecto salvador do Pai e para oferecer a sua vida em
doação de amor aos homens. Cristo, com a sua obediência ao Pai e com a
sua entrega em favor dos homens, diz-nos qual a melhor forma de
expressarmos o nosso amor a Deus.
LEITURA 1- Df 6,2-6
Moisés dirigiu-se ao povo, dizendo: «Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida,
cumprindo todas as suas leis e preceitos que hoje te ordeno,
para que tenhas longa vida,
tu, os teus filhos e os teus netos. Escuta, Israel, e cuida de pôr em prática
o que te vai tornar feliz e multiplicar sem medida na terra onde corre leite e mel,
segundo a promessa que te fez o Senhor, Deus de teus pais. Escuta, Israel:
o Senhor nosso Deus é o único Deus.
Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças.
As palavras que hoje te prescrevo
ficarão gravadas no teu coração».
AMBIENTE
O Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança"
descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622
a.C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas -
originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá)
após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os
dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado
por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e
elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve
ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm
qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à
divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos
de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a
proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de
"testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos
para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
O
texto que hoje nos é proposto integra o segundo discurso de Moisés (cf.
Dt 4,44- 28,68). Tanto pelo lugar que ocupa no livro, como pela sua
importância, este segundo discurso de Moisés constitui o centro do
Livro do Deuteronómio. Em linhas gerais, este discurso apresenta-se em
três peças principais: uma introdução (cf. Dt 4,44-11,32), um código
legal (cf. Dt 12,1-25,19) e uma conclusão (cf. Dt 26,1-28,68).
A
primeira parte da introdução ao segundo discurso de Moisés (cf. Dt
4,44-9,5) oferece-nos uma apresentação do Decálogo (cf. Dt 5,1-33) - a
Lei fundamental da Aliança estabelecida entre Deus e Israel, no Horeb -
e, na sequência, um conjunto de exortações ao Povo para que viva na
fidelidade aos mandamentos (cf. Dt 6,1-9,5). O nosso texto é um extracto
dessa exortação.
MENSAGEM
O texto começa com uma exortação a "temer" o Senhor e a cumprir todas
as suas leis e mandamentos (vers. 2-3). A expressão "temer o Senhor" -
muito frequente no Antigo Testamento - traduz, por um lado, a
reverência e o respeito e, por outro lado, a pronta obediência à
vontade divina, a confiança inamovível no Deus que não falha, a humilde
renúncia aos próprios critérios, a adesão incondicional à vontade de
Deus, a aceitação plena das propostas e dos mandamentos de Deus. Na
perspectiva do catequista deuteronomista autor deste texto, o crente
ideal (o que "teme o Senhor"), é aquele que está disposto a renunciar à
auto-suficiência e não aceita procurar a felicidade à margem das
propostas de Deus; é aquele que, com total confiança, é capaz de se
entregar nas mãos de Deus, de aceitar as suas indicações, de assumir os
mandamentos do Senhor como caminho seguro e verdadeiro para chegar à
vida em plenitude. Àquele que aceita viver no "temor do Senhor", o autor
promete vida em abundância.
Na segunda parte do nosso texto
(vers. 4-6), temos o conhecido "Shema' Israel" (assim denominado por
causa da primeiras palavras hebraicas de Dt 6,4: "Escuta Israel"). É um
texto central do judaísmo, que desde finais do séc. I é rezado
diariamente, de manhã e de tarde, por todos os judeus piedosos. No
universo religioso judaico, o verbo "escutar", aqui usado, define uma
acção em três tempos: "ouvir" com os ouvidos, "acolher" no coração,
"transformar em acção concreta" aquilo que se ouviu e que se acolheu.
O "Shema' Israel" começa com a afirmação solene da unicidade de Deus
(vers. 4: "o Senhor é único"). O crente israelita deve ouvir e
interiorizar esta realidade e actuar em consequência. Do seu horizonte
fica, portanto, afastada qualquer possibilidade de adesão a outros
deuses ou a outras propostas de salvação que não venham de Jahwéh.
Depois, vem a exigência de amar este Deus único com um amor sem divisão,
um amor que implique a totalidade do homem (vers. 5: "amarás o Senhor,
teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as
tuas forças"). Esse amor, interiorizado no coração e na alma do homem,
deve depois traduzir-se na observância fiel dos mandamentos e preceitos
da Aliança.
ACTUALIZAÇÃO
• A afirmação da unicidade de Deus convida-nos, antes de mais, a
equacionar a questão dos "outros deuses" a quem, tantas vezes,
entregamos a condução da nossa vidacPor vezes, esquecemos que Deus é a
coordenada fundamental à volta da qual deve construir-se toda a nossa
existência e deixamos que o nosso coração se fixe em realidades
efémeras, nas quais pomos a nossa confiança, a nossa segurança e a nossa
esperança (o dinheiro, o poder, o êxito, a realização profissional, a
posição social, os títulos, as honrasü Essas realidades, contudo, mesmo
que sejam agradáveis e úteis, não podem servir de pedra angular na
construção da nossa vida. Se as erigirmos em realidade fundamental e
construirmos toda a nossa existência em função delas, tornamo-nos
escravos. O verdadeiro crente, sem prescindir das realidades efémeras,
tem consciência de que só "o Senhor é o nosso Deus; o Senhor é único".
• Dizer que Deus é único, é dizer que Ele é o único e verdadeiro
caminho para a vida em plenitude. Contudo, no nosso orgulho,
convencemo-nos, por vezes, que a nossa realização e a nossa felicidade
estão na concretização dos nossos projectos pessoais, dos nossos
desejos egoístas, das nossas inclinações e paixões, à margem de Deus e
das suas propostas. A isso, chama-se auto-suficiência. Prescindir de
Deus e das suas indicações leva-nos, invariavelmente, a trilhar
caminhos de egoísmo, de injustiça, de exploração, de sofrimento, de
morte. Precisamos de interiorizar esta realidade: por nós próprios, sem
Deus, contando apenas com as nossas frágeis forças, não conseguiremos
encontrar o caminho da realização, da felicidade, da vida em plenitude.
• O nosso texto convida o crente a amar a Deus com um amor que
implique a totalidade da vida do homem; ou, por outras palavras,
convida o crente a viver no "temor do Senhor". Como é que deve
expressar-se, em termos práticos, esse amor ao Senhor que nos vai no
coração? É através de declarações solenes e ocas de boas intenções? É
através de fórmulas fixas de oração que papagueamos de cor? É através
de solenes ritos litúrgicos? O nosso amor ao Senhor deve, sobretudo,
manifestar-se em gestos concretos que manifestem a nossa obediência
incondicional aos seus planos, a nossa entrega total nas suas mãos, a
nossa aceitação dos seus mandamentos e preceitos.
SAMO RESPONSORIAL - Salmo 17
Refrão:
Eu Vos amo, Senhor:
Vós sois a minha força.
Eu Vos amo, Senhor, minha força,
minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador,
meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, meu protector, minha defesa e meu salvador.
Invoquei o Senhor - louvado seja Ele - e fiquei salvo dos meus inimigos.
Viva o Senhor, bendito seja o meu protector; exaltado seja Deus, meu Salvador.
Senhor, eu Vos louvarei entre os povos e cantarei salmos ao vosso nome.
O Senhor dá ao seu Rei grandes vitórias
e usa de bondade para com o seu Ungido.
LEITURA 11- Heb 7,23-28
Os sacerdotes da antiga aliança sucederam-se em grande número,
porque a morte os impedia de durar sempre. Mas Jesus, que permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno.
Por isso pode salvar para sempre
aqueles que por seu intermédio se aproximam de Deus, porque vive perpetuamente para interceder por eles.
Tal era, na verdade, o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha,
separado dos pecadores e elevado acima dos céus, que não tem
necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios,
primeiro pelos seus próprios pecados,
depois pelos pecados do povo,
porque o fez de uma vez para sempre
quando Se ofereceu a Si mesmo.
A Lei constitui sumos sacerdotes
homens revestidos de fraqueza,
mas a palavra do juramento, posterior à Lei,
estabeleceu o Filho sumo sacerdote perfeito para sempre.
AMBIENTE
Em Heb 6,20, o autor da Carta declara Jesus Cristo "sumo-sacerdote
para sempre, segundo a ordem de Melquisedec". Na sequência, vai dedicar
todo o capítulo 7 da Carta (cf. Heb 7,1-28) a explicar a sua afirmação.
Melquisedec é um personagem misterioso que aparece em Gn 14,18-20.
Apresentado como rei e sacerdote de Salem (localidade desconhecida,
que o Sal 76,3 identifica com Jerusalém), ele adora o Deus altíssimo,
abençoa Abraão quando este regressa da guerra e oferece-lhe pão e
vinho. Abraão, o antepassado dos sacerdotes levíticos, inclinar-se-á
diante dele e pagar-Ihe-á o dízimo. O Salmo 110, por sua vez, apresenta
um rei da casa de David como o continuador do prestigioso Melquisedec
("o Senhor jurou" ao rei "e não voltará atrás: tu és sacerdote para
sempre, segundo a ordem de Melquisedec" - Sal 110,4). A partir daqui, a
figura de Melquisedec adquirirá uma clara conotação rnesslànlca Após o
Exílio na Babilónia, os judeus esperam ver surgir um salvador da
descendência de David que reúna, como Melquisedec, o sacerdócio e a
realeza. Os cristãos, inspirados por estas ideias, vão ler o mistério
de Jesus a esta luzO
O autor da Carta aos Hebreus vai nesta linha.
Na sua perspectiva, Jesus exerce um sacerdócio perfeito e eterno, que
não se vincula ao sacerdócio de Levi (que é um sacerdócio exercido por
homens pecadores, mortais e que se sucedem de geração em geração), mas
que realiza o sacerdócio real do Messias davídico, sucessor de
Melquisedec.
Na primeira parte do capítulo 7 da Carta, o autor
resume a história de Melquisedec e afirma a superioridade do seu
sacerdócio sobre o sacerdócio levítico (cf. Heb 7,11-10); na segunda, o
autor demonstra que o sacerdócio novo de Cristo (na linha do
sacerdócio de Melquisedec) é um sacerdócio perfeito e eterno, que veio
substituir o sacerdócio levítico e abolir a antiga Lei (cf. Heb
7,11-28).
MENSAGEM
Uma das provas da superioridade do sacerdócio de Cristo é a sua
duração eterna, que contrasta com a mudança contínua das gerações do
sacerdócio levítico. Para o autor da Carta aos Hebreus, a multiplicidade
e a alternância são sinónimos de imperfeição. Porque o sacerdócio de
Cristo é eterno e a sua intercessão junto de Deus é contínua, ele
assegura, de modo definitivo, a salvação do crente (vers. 23-25).
O
autor termina a sua reflexão com uma espécie de hino (vers. 26-28),
que resume toda a exposição anterior e que exalta as características do
sacerdócio de CristoaEle
é o sumo-sacerdote "santo, inocente,
imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus" (vers. 26),
porque pertence à esfera do Deus santo.
Além disso, Ele não tem
necessidade de oferecer todos os dias sacrifícios pelos pecados
próprios e alheios, porque se ofereceu a Si próprio, de uma vez por
todas, em sacrifício perfeito (vers. 27).
Em jeito de conclusão, o
autor destaca, uma vez mais, o contraste entre a ordem imperfeita - que
é a ordem da Lei e do sacerdócio levítico - e a ordem perfeita,
prometida por Deus e realizada pelo sumo-sacerdote JesusoA.li, havia
homens cheios de fragilidades e de debilidades; aqui, está o
sumo-sacerdote eterno, que é Filho de Deus, que está junto de Deus e
que intercede permanentemente pelos homens.
ACTUALIZAÇÃO
• Na Carta aos Hebreus, Jesus Cristo é o sacerdote por excelência,
que o Pai enviou ao mundo com a missão de convidar todos os homens a
integrar a comunidade do Povo sacerdotal. Ora, Jesus Cristo cumpriu
integralmente a missão que o Pai lhe confiou ODesde o primeiro instante
da sua incarnação, Ele fez da sua vida uma escuta atenta do Pai e uma
entrega total aos homens. Na obediência e na entrega de Cristo - que foi
até ao dom total da vida, na cruz - ficou bem expresso o seu amor ao
Pai. Cristo, com o exemplo da sua vida, diz-nos qual a melhor forma de
expressarmos o nosso amor a DeusCÉ na escuta atenta dos seus projectos e
dos seus desafios, no acolhimento da sua Palavra e das suas propostas,
na obediência aos seus mandamentos, no cumprimento incondicional da
sua vontade, no dom da vida aos irmãos por amor, no testemunho corajoso
dos seus valores e projectos, que nós expressamos, de forma
privilegiada, esse amor a Deus que nos enche o coração.
• O autor
da Carta aos Hebreus insiste, com frequência, que o verdadeiro
sacrifício, o sacrifício que Deus aprecia, o sacrifício que gera
dinamismos de vida e de salvação, é aquele que Cristo ofereceu ao Pai: a
sua própria vida, posta ao serviço do projecto de Deus e feita amor e
serviço para os homens. Nós, os crentes, sempre preocupados em agradar a
Deus e em render-Lhe o culto que Ele merece, esquecemos, por vezes, o
óbvio: mais do que ritos majestosos, manifestações públicas de fé,
solenes celebrações, Deus aprecia o dom de nós mesmos. O culto que Ele
nos pede, o sacrifício que Ele aprecia e que há-de gerar vida nova para
nós e para os que caminham ao nosso lado, é a obediência aos seus
projectos e o amor aos irmãos.
• Cristo é, efectivamente, o
sumo-sacerdote que está junto do Pai e que intercede continuamente por
nós, como não se cansa de repetir o autor da Carta aos Hebreus. A
consciência desse facto deve encher o nosso coração de paz, de
esperança e de confiança: se Cristo intercede por nós, podemos encarar a
vida de forma serena, com a consciência de que as nossas debilidades e
fragilidades nunca nos afastarão, de forma definitiva, da comunhão com
Deus e da vida eterna.
ALELUIA - Jo 14,23
Aleluia. Aleluia.
Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, diz o Senhor; meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.
EVANGELHO - Me 12,28-34
Naquele tempo,
aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu:
«O primeiro é este:
'Escuta, Israel:
O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração, com toda a tua alma,
com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças'. O segundo é este:
'Amarás o teu próximo como a ti mesmo'.
Não há nenhum mandamento maior que estes». Disse-Lhe o escriba:
«Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes:
Deus é único e não há outro além d'Ele. Amá-l'O com todo o coração,
com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo,
vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios». Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente, Jesus disse-lhe:
«Não estás longe do reino de Deus».
E ninguém mais se atrevia a interrogá-I'O.
AMBIENTE
O Evangelho deste domingo situa-nos já em Jerusalém, no centro da
cidade onde vão dar-se os últimos passos desse caminho que Jesus vem
percorrendo, com os discípulos, desde a Galileia.
O ambiente é
tenso. Algum tempo antes, Jesus expulsara os vendilhões do Templo (cf.
Mc 11,15-18), acusando os líderes judaicos de terem feito da "casa de
Deus um covil de ladrões"; logo de seguida, contara a parábola dos
vinhateiros homicidas (cf. Mc 12,1-12), acusando os dirigentes de se
oporem, de forma continuada, à realização do plano salvador de DeuseDs
líderes judaicos, convencidos de que Jesus era irrecuperável, tinham
tomado decisões drásticas: Ele devia ser preso, julgado, condenado e
eliminado. Fariseus, Herodianos (cf. Mc 12,13) e até saduceus (cf. Mc
12,18), procuram estender armadilhas a Jesus, a fim de O surpreender em
afirmações pouco ortodoxas, que pudessem ser usadas em tribunal para
conseguir uma condenação. As controvérsias sobre o tributo a César (cf.
Mc 12,13-17) e sobre a ressurreição dos mortos (cf. Mc 12,18-27) devem
ser situadas e compreendidas neste contexto.
Neste ambiente,
aparece um escriba a perguntar a Jesus qual era o maior mandamento da
Lei. Ao contrário de Mateus (cf. Mt 22,34-40), Marcos não
considera, contudo, que a questão seja posta a Jesus para o embaraçar ou
pôr à prova. O escriba que coloca a questão parece ser um homem
sincero e bem intencionado, genuinamente preocupado em estabelecer a
hierarquia correcta dos mandamentos da Lei.
De facto, a questão do
maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e tornou-se, no
tempo de Jesus, objecto de debates intermináveis entre os fariseus e os
doutores da Lei. A preocupação em actualizar a Lei, de forma a que ela
respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha
levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos
quais 365 eram proibições e 248 acções a pôr em prática. Esta
"multiplicação" dos preceitos legais lançava, evidentemente, a questão
das prioridades: todos os preceitos têm a mesma importância, ou há
algum que é mais importante do que os outros?
É esta a questão que é posta a Jesus.
MENSAGEM
Citando o primeiro versículo do "Shema' Israel", a grande profissão
de fé que todo o judeu recitava no início e no fim do dia (cf. Dt
6,4-5), Jesus declara solenemente que o primeiro mandamento é o amor a
Deus - um amor que deve ser total, sem divisões, feito de adesão plena
aos projectos, à vontade, aos mandamentos de Deus (vers. 30: "com todo o
teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com
todas as tuas forças"). Como se achasse que a resposta não era
suficiente, Jesus completa-a, imediatamente, com a apresentação de um
segundo mandamento: "amarás o teu próximo como a ti mesmo" (trata-se de
uma citação de Lv 19,18). Ou seja: o maior mandamento é o mandamento do
amor; e esse mandamento fundamental concretiza-se em duas dimensões
que se completam mutuamente - a do amor a Deus e a do amor ao próximo.
A originalidade deste sumário evangélico da Lei não está nas ideia de
amor a Deus e ao próximo, que são bem conhecidas do Antigo Testamentouv
originalidade deste ensinamento está, por um lado, no facto de Jesus os
aproximar um do outro, pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no
facto de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes
dois mandamentos.
A resposta de Jesus ao escriba não vai no
sentido de estabelecer uma hierarquia rígida de mandamentos; mas
superando o horizonte estreito da pergunta, situa-se ao nível das
opções profundas que o homem deve fazer[]) importante, na perspectiva
de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas
encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus,
essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao
próximo.
Portanto, o compromisso religioso (que é proposto aos
crentes, quer do Antigo, quer do Novo Testamento) resume-se no amor a
Deus e no amor ao próximo. Na perspectiva de Jesus, que é que isto quer
dizer?
De acordo com os relatos evangélicos, Jesus nunca se
preocupou excessivamente com o cumprimento dos rituais litúrgicos que a
religião judaica propunha, nem viveu obcecado com o oferecimento de
dons materiais a Deus. A grande preocupação de Jesus foi, em
contrapartida, discernir a vontade do Pai e cumpri-Ia com fidelidade e
amor. "Amar a Deus" é pois, na perspectiva de Jesus, estar atento aos
projectos do Pai e procurar concretizar, na vida do dia a dia, os seus
planos. Ora, na vida de Jesus, o cumprimento da vontade do Pai passa
por fazer da vida uma entrega de amor aos irmãos, se necessário até ao
dom total de si mesmo.
Assim, na perspectiva de Jesus, "amor a
Deus" e "amor aos irmãos" estão intimamente associados. Não são dois
mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. "Amar a Deus" é
cumprir o seu projecto de amor, que se concretiza na solidariedade, na
partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos.
Como é que deve
ser esse "amor aos irmãos"? Este texto só explica que é preciso "amar o
próximo como a si mesmo". As palavras "como a si mesmo" não
significam qualquer espécie de condicionalismo, mas que é preciso amar
totalmente, de todo o coração. Noutros textos neo-testamentários,
porém, Jesus explica aos seus discípulos que é preciso amar os inimigos e
orar pelos perseguidores (cf. Mt 5,43-48). Trata-se, portanto, de um
amor sem limites, sem medida e que não distingue entre bons e maus,
amigos e inimigos. Aliás, Lucas, ao contar este mesmo episódio que o
Evangelho de hoje nos apresenta, acrescenta-lhe a história do "bom
samaritano", explicando que esse "amor aos irmãos" pedido por Jesus é
incondicional e deve atingir todo o irmão que encontrarmos nos caminhos
da vida, mesmo que ele seja um estrangeiro ou inimigo (cf. Lc
10,25-37).
O escriba concorda plenamente com a resposta de Jesus.
Para exprimir a sua aprovação, ele cita alguns passos da Bíblia
Hebraica (cf. Dt 4,35 e Is 45,21; Dt 6,5; Lv 19,18; Os 6,6), que
repetem, com palavras diversas, o que Jesus acabou de dizer. Diante do
comentário inteligente do escriba, Jesus declara-lhe que não está
"longe do Reino de Deus" (vers. 34). Este escriba é, sem dúvida, um
homem justo, que observa a Lei, que estuda a Escritura e que procura
lê-Ia e pô-Ia em prática; no entanto, para poder integrar a comunidade
do Reino, falta-lhe acolher Jesus como o Messias libertador enviado por
Deus com uma proposta de salvação e decidir-se a tornar-se seu
discípulo (após a conversa com Jesus, este escriba continua no seu
lugar; não há qualquer indicação de que ele se tivesse disposto a
seguir Jesus).
ACTUALIZAÇÃO
• Mais de dois mil anos de cristianismo criaram uma pesada herança de
mandamentos, de leis, de preceitos, de proibições, de exigências, de
opiniões, de pecados e de virtudes, que arrastamos pesadamente pela
história. Algures durante o caminho, deixámos que o inevitável pó dos
séculos cobrisse o essencial e o acessório; depois, misturámos tudo,
arrumámos tudo sem grande rigor de organização e de catalogação e
perdemos a noção do que é verdadeiramente importante. Hoje, gastamos
tempo e energias a discutir certas questões que têm a sua importância
(como o casamento dos padres, o sacerdócio das mulheres, o uso dos meios
anticonceptivos, o que é ou não litúrgico, os problemas do poder e da
autoridade, os pormenores legais da organização ecleslalüe continuamos a
ter dificuldade em discernir o essencial na proposta de Jesus. O
Evangelho deste domingo põe as coisas de forma totalmente clara: o
essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a
revelação de Deus e a sua proposta de vida plena e definitiva para os
homens. Precisamos de rever tudo, de forma a que o lixo acumulado não
nos impeça de compreender, de viver, de anunciar e de testemunhar o
cerne da proposta de Jesus.
• O que é "amar a Deus"? De acordo com o
exemplo e o testemunho de Jesus, o amor a Deus passa, antes de mais,
pela escuta da sua Palavra, pelo acolhimento das suas propostas e pela
obediência total dos seus projectos para mim próprio, para a Igreja,
para a minha comunidade e para o mundo. Esforço-me, verdadeiramente,
por tentar escutar as propostas de Deus, mantendo um diálogo pessoal
com Ele, procurando reflectir e interiorizar a sua Palavra, tentando
interpretar os sinais com que Ele me interpela na vida de cada dia?
Tenho o coração aberto às suas propostas, ou fecho-me no meu egoísmo,
nos meus preconceitos e na minha auto-suficiência, procurando construir
uma vida à margem de Deus ou contra Deus? Procuro ser, em nome de Deus
e dos seus planos, uma testemunha profética que interpela o mundo, ou
instalo-me no meu cantinho cómodo e renuncio ao compromisso com Deus e
com o Reino?
• O que é "amar os irmãos"? De acordo com o exemplo e o
testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por prestar atenção a
cada homem ou mulher com quem me cruzo pelos caminhos da vida (seja ele
branco ou negro, rico ou pobre, nacional ou estrangeiro, amigo ou
inimigo), por sentir-me solidário com as alegrias e sofrimentos de cada
pessoa, por partilhar as desilusões e esperanças do meu próximo, por
fazer da minha vida um dom total a todos. O mundo em que vivemos
precisa de redescobrir o amor, a solidariedade, o serviço, a partilha, o
dom da vidaCNa realidade, a minha vida é posta ao serviço dos meus
irmãos, sem distinção de raça, de cor, de estatuto social? Os pobres,
os necessitados, os marginalizados, os que alguma vez me magoaram e
ofenderam, encontram em mim um irmão que os ama, sem condições?
• É
fundamental que tenhamos consciência de que estas duas dimensões do
amor - o amor a Deus e o amor aos irmãos - não se excluem nem estão em
confronto uma com a outra. Amar a Deus é cumprir a sua vontade e os seus
projectos; ora, a vontade de Deus é que façamos da nossa vida um dom
de amor, de serviço, de entrega aos irmãos - a todos os irmãos com quem
nos cruzamos nos caminhos da vida. Não se trata entre optar por rezar
ou por trabalhar em favor dos outros, entre estar na igreja ou estar a
ajudar os pobres; trata-se é de manter, dia a dia, um diálogo contínuo
com Deus, a fim de percebermos os desafios que Deus tem para nós e de
lhes respondermos convenientemente, no dom de nós próprios aos irmãos.
• Como é que vivemos a nossa caminhada religiosa? Qual é, para nós, o
elemento fundamental da nossa experiência de fé? Por vezes não estaremos
a dar demasiada importância a elementos que não têm grande significado
(as prescrições do culto e do calendário, os ritos exteriores, as
regras do liturgicamente correcto, as doações de dinheiro para as
festas do santo padroeiro, as leis canónicas, as questões
disciplinaresü esquecendo o essencial, negligenciando o mandamento
maior?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
PARA O 31° DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da
semana anterior ao 31° Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemploaEscolher um dia da semana para a meditação
comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosaCAproveitar,
sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Deus nunca se apresenta como
concorrente do homem. Seria assim se disséssemos que é preciso amar
Deus ou o próximo. Ora, o escriba que encontra Jesus diz "amar Deus de
todo o coração ce amar o seu próximo como a si mesmo vale mais que
todas as oferendas e sacrifícios". Para não se ficar longe do reino de
Deus, basta, pois, amar Deus e o seu próximo. Foi o testemunho deixado
por Jesus: o seu amor pelo Pai levava-o a retirar-se para o monte para
rezar, a erguer os olhos para o céu antes de fazer milagres, mas ao
mesmo tempo ia ao encontro dos doentes, dos excluídos, dos pecadores,
das multidões perdidas como ovelhas sem pastor. E depois, na cruz,
vira-se para seu Pai, mas também para o ladrão crucificado ao seu lado,
para Maria e João, para os verdugos que não sabiam o que faziam, dizia
Ele. E não esqueçamos a palavra de João, que esclarece muito bem o
duplo mandamento: aquele que diz "amo a Deus" e não ama o seu próximo é
um mentiroso.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
À primeira vista, o vocabulário não
pega! O amor não se impõe com golpes de leis! Porque dizer que o amor a
Deus e ao próximo é o maior mandamento? Para os Judeus, a vontade de
Deus exprime-se na Lei e tudo é visto a essa luz. A Lei é como que a
incarnação da vontade de Deus. Então, Jesus respeita este escriba, que
era um profissional da Lei, utilizando a mesma linguagem que ele. Mas
começa por "escuta, Israeli'J É mais que um mandamento, é a afirmação
fundamental da fé em Deus único. Mais ainda, este texto tornou-se a
oração que os Judeus fiéis, ainda hoje, dizem três vezes por dia. É tão
importante para os Judeus como o "Pai Nosso" para os cristãos. Deve
ser, pois, meditada. Amar a Deus com todas as forças, com toda a mente,
com toda a nossa forçarn.Jm amor verdadeiramente humano, o amor
segundo
a vontade de Deus. Jesus liga o amor a Deus e o amor ao
próximo. O escriba compreendeu: este amor vale mais que todas as
oferendas e sacrifícios, porque envolve todo o nosso ser. Ele é a vida.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUED
Amar com todo o coraçãoDQue valem
os nossos "amo-te"? Aproveitemos a interpelação deste domingo para
reflectir, nesta semana, na sinceridade das nossas palavras e dos
nossos sentimentos. Dizer a alguém "amo-te", é verdadeiramente amá¬lo
com todo o seu coração, com todas a sua força, sem falhas?
FONTE: http://www.ecclesia.pt/
sábado, 3 de novembro de 2012
REFLEXÃO: 31° Domingo do Tempo Comum - Ano B 4.11.12
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