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Saudação à Mãe de Deus
São Francisco de Assis nasceu em 1182, tendo partido
para a Eternidade em 1226, aos 44 anos de idade. Na região e na época em que
viveu era grande o apego ao luxo e às riquezas, o que minava a sociedade e
causava danos à Igreja. Propôs ele um novo ideal de pobreza, obediência e
castidade, tendo fundado a Ordem dos Frades Menores (franciscanos), que se
expandiu pelo mundo através de várias ramificações. Também, com Santa Clara,
fundou a ordem das Clarissas.
Havia se iniciado o século XIII. O jovem filho de um
bem sucedido comerciante da cidade de Assis, até então apegado às amizades, aos
bens materiais e às atrações do mundo, como a quase totalidade dos rapazes de
sua idade, começa a inclinar-se à carreira das armas. Em uma batalha foi preso,
tendo de aguardar cerca de um ano até ser resgatado, quando então foi prostrado
por uma doença. Recuperado, tentou novamente engajar-se em um exército, porém o
chamado de Deus foi mais forte: o jovem João, apelidado Francisco (nome pelo
qual se tornou conhecido), voltou-se para o Criador, pois passou a vê-lo com os
olhos do espírito ao considerar as virtudes através das quais Ele se revelava.
A juventude e a conversão
Francisco trabalhava como comerciante, e mesmo
gostando de obter lucros jamais se prendeu desesperadamente ao dinheiro e às
riquezas, gostando, por vezes, de ajudar os pobres. Era muito rico, mas não
avarento, e sim pródigo e gastador; um negociante esperto, mas ao mesmo tempo
esbanjador insensato. Era gentil, paciente, afável e manso, mas nem sempre as
qualidades se sobressaíam naquele jovem que tinha por objetivo a vida mundana.
Certa vez um pobre adentrou a loja em que estava
Francisco ocupado com os negócios, para pedir uma esmola pelo amor de Deus,
sendo despedido com rispidez sem nada ganhar. A consciência de Francisco logo o
acusou, dizendo: "se ele tivesse pedido algo em nome de algum conde ou
barão, com certeza o terias atendido; quanto mais não o deverias ter feito pelo
Rei dos reis e Senhor de todos". Tomou ali Francisco a decisão de nunca
mais negar o que lhe fosse pedido em nome de tão grande Senhor.
Francisco passou a dar generosas esmolas aos pobres
que encontrava, inclusive distribuindo suas roupas e outros bens, procurando
assim seguir o mandamento do amor ao próximo tantas vezes ilustrado pelos fatos
e parábolas narrados nas Sagradas Escrituras. Passou a ser alvo de críticas e
deboches por parte dos habitantes da região, e de grande raiva por parte de seu
pai, dotado de profundo apego a todos os bens e riquezas que acumulara no
comércio de tecidos em que enriquecera.
A rejeição ao mundo e a entrega à pobreza
O conflito familiar chegou a tal ponto que o pai de
Francisco, Pedro de Bernardone, levou o caso ao bispo, acusando o filho de dissipar
sua fortuna e exigindo uma compensação por tudo o que fora por ele retirado de
sua loja para dar aos pobres. Então o jovem, inspirado pelo Espírito Santo,
tomou a decisão inimaginável por todos os que ali presenciavam a cena: entregou
ao avarento progenitor tudo o que tinha consigo, inclusive as próprias roupas,
e disse: doravante não mais direi "meu pai Pedro de Bernardone", e
sim "Pai nosso que estais no Céu". Coberto apenas pelo cilício (um
áspero couro animal destinado a incomodar a pele, que usava sob as roupas para
combater certos impulsos corporais), Francisco foi então abrigado pela capa
cedida pelo bispo, ali renunciando publicamente à herança; pediu a bênção
episcopal e partiu para a vida de pobreza, passando depois a ter por
companheiros vários amigos que quiseram seguir a mesma via de perfeição. Não
chegara sequer aos 25 anos quando esses fatos ocorreram. Era o início da
família franciscana, que não se restringiu ao sexo masculino, pois Francisco,
com a jovem Clara - que se inclinou a seguir os passos desse santo homem -,
fundou o ramo feminino, que obteve do papa Inocêncio III o reconhecimento do
direito de ser pobre e de nada possuir.
Diz-se que Francisco e a Pobreza contraíram um
casamento místico. Na verdade, conforme estudos aprofundados feitos nos
antiquíssimos escritos históricos e alegóricos a respeito do Fundador e dos
primeiros franciscanos, nota-se que o que Francisco fez foi uma vassalagem
mística com a Pobreza, a quem se entregou para servi-la. A ela se referia como
"minha senhora", expressão que na época caracterizava uma obediência
e com a qual se entregava àquela virtude que tanto admirava.
Entre as mais famosas e importantes virtudes, que no
homem preparam um lugar para Deus e ensinam o caminho melhor e mais rápido para
chegar até Ele, a santa Pobreza sobressai a todos por uma certa prerrogativa e
supera os títulos das outras por uma beleza singular. Ela é fundamento e
guardiã das virtudes todas, e entre as conhecidas virtudes evangélicas ela tem,
merecidamente, um lugar de honra. Essas palavras iniciam o texto alegórico que
mostra a relação mística entre o Fundador franciscano e a Senhora Pobreza,
esposa de Cristo.
A Oração da Paz, espelho do amor ao
próximo
Em tudo Francisco procurava seguir o Evangelho, como
bem se pode perceber nas belas palavras da Oração da Paz que externam o amor ao
próximo, e que nunca perderam a atualidade:
Senhor,
fazei de mim um instrumento
da vossa
paz.
Onde houver
ódio, que eu leve o amor.
Onde houver
ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver
discórdia, que eu leve a união.
Onde houver
dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver
erro, que eu leve a verdade.
Onde houver
desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver
tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver
trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre,
fazei com que eu procure mais consolar
que ser
consolado. Compreender que ser
compreendido;
amar que ser amado.
Pois é dando
que se recebe; é perdoando
que se é
perdoado. E é morrendo que se
vive para a
vida eterna.
Algumas admoestações de Francisco evidenciam a paz e o
amor que se deve ter para com o próximo. Disse ele, comentando as palavras do
Divino Mestre "bem aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados
filhos de Deus": São verdadeiramente pacíficos os que, no meio de tudo
quanto padecem neste mundo, se conservam em paz, interior e exteriormente, por
amor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Disse também que é bem aventurado o homem
que suporta o seu próximo com suas fraquezas tanto quanto quisera ser suportado
por ele se estivesse na mesma situação. E ainda, referindo-se à benquerença que
deve reinar nas Casas da família franciscana: Bem aventurado o servo que ama o
seu confrade enfermo que não lhe pode ser útil, tanto como ao que tem saúde e
está em condições de lhe prestar serviços. Bem aventurado o servo que tanto ama
e respeita o seu confrade quando está longe como se estivesse perto, e não diz
na ausência dele coisa alguma que não possa dizer na sua presença sem lhe
faltar à caridade.
Irmão Sol, irmão vento, irmã água, irmão
fogo
Vendo a presença de Deus em tudo, Francisco compôs o
belíssimo Cântico das Criaturas em que manifesta irmandade até mesmo com os
seres inanimados ao neles perceber que, como o homem, foram criados pelo
Altíssimo, a quem é devido todo o louvor.
A Santíssima Virgem, honrada na capelinha de Santa
Maria dos Anjos (a Porciúncula, de onde Francisco, ao findar seus dias neste
mundo, partiria rumo à Casa do Pai) era especialmente venerada pelo Pobrezinho
de Assis, que lhe compôs uma singela saudação:
Salve, ó Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de
Deus, ó Maria, que sois Virgem feita igreja, eleita pelo santíssimo Pai
celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e dileto Filho e o Espírito
Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o
bem! Salve, ó palácio do Senhor! Salve, ó tabernáculo do Senhor! Salve, ó
morada do Senhor! Salve, ó manto do Senhor! Salve, ó serva do Senhor! Salve, ó
Mãe do Senhor, e salve vós todas, ó santas virtudes derramadas pela graça e
iluminação do Espírito Santo, nos corações dos fiéis, transformando-os de
infiéis em servos fiéis de Deus!
Discernindo em tudo o Criador
Dois anos antes de passar à Eternidade, o Pobrezinho
de Assis compôs um belíssimo hino de louvor a Deus, cuidadosamente registrado e
passado à posteridade por um de seus seguidores. Nele se percebe como procurava
Francisco, em tudo, discernir o Criador:
Vós sois o santo Senhor e Deus único, que operais
maravilhas. Vós sois o Forte. Vós sois o Grande. Vós sois o Altíssimo. Vós sois
o Rei onipotente, santo Pai, Rei do Céu e da Terra. Vós sois o Trino e Uno,
Senhor e Deus, Bem universal. Vós sois o Bem, o Bem universal, o sumo Bem,
Senhor e Deus, vivo e verdadeiro. Vós sois a delícia do amor. Vós sois a
Sabedoria. Vós sois a Humildade. Vós sois a Paciência. Vós sois a Segurança.
Vós sois o Descanso. Vós sois a Alegria e o Júbilo. Vós sois a Justiça e a
Temperança. Vós sois a Plenitude da Riqueza. Vós sois a Beleza. Vós sois a
Mansidão. Vós sois o Protetor. Vós sois o Guarda e o Defensor. Vós sois a
Fortaleza. Vós sois o Alívio. Vós sois nossa Esperança. Vós sois nossa Fé. Vós
sois nossa inefável Doçura. Vós sois nossa eterna Vida, ó grande e maravilhoso
Deus, Senhor Onipotente, misericordioso Redentor.
Vê-se, nessas inspiradas palavras, o profundo
entendimento das riquíssimas qualidades de Deus manifestado por aquele que se
entregou à pobreza, e que abraçou os conselhos evangélicos e as demais virtudes
que tão bem percebia no Criador, a quem se deu por inteiro. Dotado de
personalidade marcante, Francisco deixou-se impregnar pelas qualidades divinas
de tal forma que não só a época em que viveu ficou marcada por sua passagem por
este mundo, mas também os séculos que se seguiram. Deixou-nos ele um dos
maiores exemplos da verdadeira contemplação das perfeições de Deus - que
chegavam a levá-lo a um verdadeiro êxtase - e do amor que se deve ter para com
Ele, sem o que nenhuma religiosidade atinge sua plenitude.
Assemelhando-se cada vez mais ao Altíssimo
Francisco tanto amou o Altíssimo que não só no
espírito, mas também no corpo, assemelhou-se a Deus. Cerca de dois anos antes
de sua morte, foi agraciado com as marcas da Paixão de Cristo, passando a ter
nas mãos e pés as feridas correspondentes à crucifixão; na mesma ocasião também
foi dotado de uma chaga correspondente à que foi feita pelo soldado que, com a
lança, transpassara o coração de Jesus. Indo de encontro à cruz, teve a glória
de receber os estigmas do Crucificado.
Os estigmas da Paixão foram concedidos a Francisco em
seguida a um momento de profunda oração contemplativa no Monte Alverne, em que
o Crucificado lhe apareceu sob a forma inicial de um Serafim com seis asas.
Registrou-se que suas mãos e pés pareciam atravessados bem no meio pelos
cravos, aparecendo as cabeças no interior das mãos e em cima dos pés, com as
ponta saindo do outro lado. Os sinais eram redondos no interior das mãos e
longos no lado de fora, deixando ver um pedaço de carne como se fossem pontas
de cravos entortados e rebatidas, saindo para fora da carne. Também nos pés
estavam marcados os sinais dos cravos, sobressaindo da carne. O lado direito
parecia atravessado por uma lança, com uma cicatriz fechada que muitas vezes
soltava sangue, de maneira que sua túnica e suas calças estavam muitas vezes banhadas
no sagrado sangue. Infelizmente foram muito poucos os que mereceram ver a
ferida sagrada do seu peito, enquanto viveu crucificado o servo do Senhor
crucificado. [...] Pois tinha muito cuidado em esconder essas coisas dos
estranhos, e ocultava-as mesmo dos mais chegados, de maneira que até os irmãos
que eram seus companheiros e seguidores mais devotados não souberam delas por
muito tempo.
Buscando a perfeição, Frei Francisco tinha por costume
não revelar, senão a poucos, ou a ninguém, o seu principal segredo, temendo que
a revelação lhe trouxesse alguma predileção por parte dos outros que resultasse
em detrimento da graça que tinha recebido. Por isso guardava sempre em seu
coração e repetia aquela frase do profeta: "Escondi tuas palavras em meu coração
para não pecar contra ti".
Frei Francisco partiu para a eternidade no início da
noite de 3 de outubro de 1226, sendo canonizado menos de dois anos depois.
Biografado por vários de seus filhos espirituais, teve a vida divulgada em
verso e em prosa até mesmo por tradição oral, em que a verdade e a lenda se
entrelaçaram tão magnífica e pitorescamente que, ainda que alguns detalhes não
correspondam minuciosamente à história da família franciscana, retratam muito
bem o espírito do franciscanismo e de seu Fundador, o seráfico São Francisco de
Assis, cuja comemoração litúrgica ocorre em 4 de outubro.
Biografia sugerida:
SÃO FRANCISCO DE ASSIS (Escritos e
biografias de São Francisco de Assis, Crônicas e outros testemunhos do primeiro
século franciscano). Petrópolis, Editora Vozes, 2000, 9ª edição.
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