FONTE: http://www.gaudiumpress.org/
Se levais em conta a distância que há entre a família
gentílica e a hebreia, vereis logo que estão separadas entre si por um abismo profundo:
a família gentílica compõe-se de um senhor e de seus escravos, enquanto a
hebreia, do pai, da mulher e de seus filhos. Entram como elementos
constitutivos da primeira, deveres e direitos absolutos; a segunda, deveres e
direitos limitados. A família gentílica descansa na servidão; a hebreia
funda-se na liberdade. A primeira é resultado de um esquecimento; a segunda, de
uma recordação; o esquecimento e a recordação das divinas tradições, prova
clara de que o homem não ignora, senão porque esquece, e não sabe, senão porque
aprende.
Agora se compreenderá facilmente porque a mulher
hebreia perde nos poemas bíblicos tudo o que teve entre os gentios de sombrio e
de sinistro; e porque o amor hebreu, diferentemente do gentio, que foi incêndio
dos corações, é bálsamo das almas. Abri os livros dos profetas bíblicos, e em
todos aqueles quadros, risonhos ou pavorosos, com que davam a entender às
sobressaltadas multidões, ou que ia desfazendo-se o nebuloso, ou que a ira de Deus
estava próxima, achareis sempre em primeiro lugar as virgens de Israel, sempre
belas e vestidas de resplendores aprazíveis, levantarem então seus corações ao
Senhor em melodiosos hinos e em angélicos cantares, ou depositarem, sob o peso
da dor, as cândidas açucenas de suas frontes. [...]
Nem se contentaram os hebreus em confiar à mulher o
brando cetro de seus lares mas puseram muitas vezes na sua mão fortíssima e
vitoriosa o pendão das batalhas e o governo do Estado. A ilustre Débora
governou a república na qualidade de juiz supremo da nação; como general dos
exércitos, peleou e ganhou batalhas sangrentas; como poetiza, celebrou os
triunfos de Israel e entoou hinos de vitória, manejando ao mesmo tempo, com
igual soltura e maestria, a lira, o cetro e a espada.
No tempo dos reis, a viúva de Alexandre Janneo teve o
cetro dez anos; a mãe do rei Asa governou em nome do seu filho, e a mulher de
Hircano Macabeu foi designada por este príncipe para governar o Estado depois
de seus dias. Até o espírito de Deus, que se comunicava a poucos, desceu também
sobre a mulher, abrindo-lhe os olhos e o entendimento para que pudesse ver e
entender as coisas futuras. Hulda foi iluminada com o espírito de profecia, e
os reis aproximavam-se dela sobressaltados com um grande temor, contritos e
receosos, para saber de seus lábios o que no livro na Providência estava
escrito de seu império. A mulher, entre os hebreus, ora governa a família, ora
dirige o Estado, ora fala em nome de Deus, ora avassala os corações, cativos de
seus encantos. Era um ser benéfico, que já participava tanto da natureza
angélica como da humana. Lede apenas o Cântico dos Cânticos e dizei-me se
aquele amor suavíssimo e delicado, se aquela esposa vestida de odoríferas e
cândidas açucenas, se aquela música harmônica, se aqueles arrebatamentos
inocentes e elevados, e aqueles deleitosos jardins, não são mais que coisas
vistas, ouvidas e sentidas na terra, coisas que se nos apresentam como sonhos
do paraíso.
E entretanto, senhores, para conhecer a mulher por
excelência; para ter notícia certa do encargo recebido de Deus; para
considerá-la em toda a sua beleza imaculada e altíssima; para formar-se alguma
ideia de sua influência santificadora, não basta colocar a vista naqueles
belíssimos exemplos da poesia hebraica, que até agora deslumbraram os nossos
olhos e docemente embargaram os nossos sentidos. O verdadeiro modelo e exemplo
de mulher não é Rebeca, nem Débora, nem a esposa do Cântico dos Cânticos, cheia
de fragrâncias como uma taça de perfumes. É necessário ir mais além, e subir
mais alto; é necessário chegar à plenitude dos tempos, ao cumprimento da antiga
promessa. Para surpreender à maneira de Deus, formando o tipo perfeito de
mulher, é necessário subir até ao trono resplandecente de Maria. Ela é uma
criatura aparte, mais bela por si só que toda a criação; o homem não é digno de
tocar suas vestes brancas, a terra não é digna de servir-lhe de peanha, nem os
tecidos de brocado como tapete; a sua brancura excede a neve que se acumula nas
montanhas; o seu corado, o rosado dos céus; o seu esplendor ao resplandecente
das estrelas. Maria é amada de Deus, venerada pelos homens, servida pelos
anjos. [...] O Pai a chama filha, e lhe envia embaixadores; o Espírito Santo a
chama esposa, e lhe faz sombra com as suas asas; o Filho a chama mãe, e faz de
sua morada o seu sacratíssimo ventre. Os Serafins compõem a sua corte; os céus
a chamam Rainha; os homens a chamam Senhora: nasceu sem mancha, livrou o mundo,
morreu sem dor, viveu sem pecado. Vede aí a mulher, senhores, vede aí a mulher,
porque Deus em Maria as santificou: às virgens, porque Ela foi Virgem; às
esposas porque Ela foi Esposa; às viúvas porque Ela foi Viúva; às filhas,
porque ela foi Filha; às mães porque ela foi Mãe. Grandes e portentosas
maravilhas obrou o cristianismo no mundo: fez as pazes entre o céu e a terra,
destruiu a escravidão, proclamou a liberdade humana e a fraternidade dos
homens. Mas com tudo isso, a mais portentosa de todas as suas maravilhas, a que
mais profundamente influiu na constituição da sociedade doméstica e da civil, é
a santificação da mulher, proclamada desde as alturas evangélicas. E além do
mais, senhores, desde que Jesus Cristo habitou entre nós, nem sobre as
pecadoras é lícito lançar o escárnio e o insulto, porque até os seus pecados podem
ser lavados pelas suas lágrimas.
O Salvador dos homens colocou a Madalena sob o seu
amparo. E quando chegou o tremendo dia em que se nublou o sol, estremeceram e
deslocaram-se os despojos da terra, ao pé da sua cruz estavam juntas a sua
inocentíssima Mãe e a arrependida pecadora, para dar-nos assim a entender que
os seus amorosos braços estavam abertos igualmente à inocência e ao
arrependimento.
Excerto de discurso proferido por Juan Donoso Cortés a
16 de abril de 1848, ao tomar assento na Real Academia de la Lengua. Tradução
do original em espanhol presente em OBRAS de D. Juan Donoso Cortés. (Ord.)
Gavino Tejado. Madrid: Imprenta de Tejado, 1854. Tomo III. p. 171-198, por Pe.
José Manuel Victorino de Andrade, EP para a revista Acadêmica Lumen Veritatis,
n. 15, abr./jun. 2011.
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