segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ensinar em casa é fazer do mundo uma sala de aula



Por Sara R. Oliveira
Fonte: www.educare.pt
 
Há uma mãe que optou pelo ensino doméstico e que conta as suas experiências num blogue. A família proporciona um programa diversificado aos três filhos. Tomás gosta de ler, Vasco de desaparafusar brinquedos e Beatriz de jogar à bola.
Uma coroa de flores amarelas feita para a mãe com as mãos do pequeno Tomás de 8 anos e a ajuda da avó. Muffins de banana e canela com corações de chocolate que o Tomás inventou e cozinhou com a mãe para experimentarem no aniversário do pai. Passeios pelo campo, a apanha de joaninhas, a alegria de andar de baloiço. A descoberta do livro O Meu Pé de Laranja Lima, muitas receitas de iogurtes, saídas culturais e jogos. Tudo cabe no blogue de uma mãe adepta do ensino doméstico que, se for preciso, vai com o filho de 8 anos assistir a conferências na Universidade do Porto.
Marta Boldt, licenciada em Matemática, é mãe de três filhos. Tomás de 8 anos que frequenta o 3.º ano do ensino doméstico, Vasco de 3 anos e Beatriz de 18 meses - os dois mais novos nunca andaram num infantário. Estão em casa, onde quase tudo acontece. A família mora no Porto e o pai vive e trabalha em Viseu. Por isso, há dias no Porto e dias em Viseu. E é no blogue "Caminhando Juntos" que Marta partilha experiências, fotografias, pensamentos, criações, atividades, jogos, receitas, saídas. Fá-lo de peito aberto e é um dos raros testemunhos públicos de quem pratica o ensino doméstico no nosso país.
"Não sou fundamentalista e não vejo no ensino doméstico a única opção viável, nem acho que deva ser generalizada. Mas cada criança tem características únicas que devem ser respeitadas" - afirma ao EDUCARE.PT. "Acredito que existam casos em que a criança se adapta facilmente ao ensino tradicional e que as respetivas famílias vejam nele mais vantagens do que desvantagens. Mas quando isso não acontece, é bom saber que existem outras opções que são praticamente desconhecidas da maioria dos pais" - acrescenta. A ideia de ensinar os filhos em casa sempre a fascinou, mesmo antes do nascimento do primeiro filho. Tomás nasceu, Marta interessou-se por livros sobre desenvolvimento infantil e descobriu relatos que a inspiraram. Não tardou a tomar a decisão depois de o Tomás ter frequentado o 1.º ano da escola.
"Para mim, o ensino doméstico é muito mais do que a passagem de conteúdos escolares. A ideia de ensino doméstico pode ser vista como uma imagem antiquada com crianças fechadas em casa a aprender uma minirreprodução da escola, quando é exatamente o contrário. A ideia base é fazer do mundo a nossa sala de aula e seguir os interesses e paixões de cada um", conta. Nem que isso implique ir com o Tomás a conferências sobre o Antigo Egito na Universidade do Porto ou ensinar-lhe a numeração romana quando tinha seis anos por causa da paixão pelos livros do Astérix.
Sair do rebanho
Não há rotinas lá em casa. Marta vai gerindo o seu tempo, conforme o fluxo de trabalho nas ações de formação profissional na área da Matemática, entre os dias no Porto e os dias em Viseu, aí com a família completa. Tomás, Vasco e Beatriz são as prioridades, as arrumações e limpezas ficam sempre para segundo plano. Os períodos de sono são geridos, os mais novos fazem sestas, e a mãe Marta tenta dedicar pelo menos uma hora por dia em exclusivo a cada filho. Altura para fazer o que mais lhes agradam: ler com o Tomás, aparafusar e desaparafusar brinquedos com o Vasco, jogar à bola com a Beatriz. "Em conjunto, tento diariamente ter contacto com a Natureza. Uma ida ao parque, brincar no pátio, andar de bicicleta, tratar da mini-horta ou alimentar as galinhas da vizinha, são boas opções. Além disso, pintamos, lemos, ouvimos música, vemos DVD, brincamos, cozinhamos - o que dá uma aula de Matemática excelente - e fazemos muitos Legos", refere. A ida a museus, ao teatro, ao cinema, a workshops de ciência também entram na agenda da família, que adora viajar. "É importante diversificar os programas, mesmo não sabendo se vão gostar. Estamos a dar a oportunidade de mais tarde fazerem um juízo próprio e poderem optar por uma ou outra área de interesse.
Tomás está no 3.º ano do ensino doméstico. Andou na escola no 1.º ano, no 2.º ficou acordado que haveria flexibilidade em o receber nas aulas e que iria realizar as fichas de avaliação no final de cada período. "Esta experiência tem sido muito positiva e estamos muito felizes com os resultados. Somos mais felizes assim!", confessa. Marta Boldt tenta seguir o currículo escolar. No ano passado, não comprou os manuais escolares, este ano fê-lo porque o Tomás vai mais vezes à escola. "Ele não gosta da obrigação de nos sentarmos um ao lado do outro e do 'agora vamos aprender isto'. Tenho deixado as coisas um pouco ao ritmo dele e aproveito a sua curiosidade infinita para aprofundar um ou outro tema. Também resulta 'deixar por acaso' um livro de determinado tema em cima da mesa - pois sei que ele não lhes resiste -, brincar com materiais manipuláveis e jogar software educativos, como é o caso da Escola Virtual", revela.
O futuro próximo da educação dos filhos ainda não está definido e o estado nómada da família terá sempre peso na decisão. Marta ainda não decidiu se vai optar pelo ensino oficial no 2.º ciclo e se irá seguir os mesmos passos do Tomás com o Vasco e a Beatriz. Mas seja como for, as vantagens do ensino doméstico já estão entranhadas na família. "Apesar da importância da escola, somos todos pessoas, temos de ouvir as nossas crianças, mostrar interesse e apoiar as suas paixões, fazer com que vivam cada dia com autonomia, valorizar o pensamento pela própria cabeça, em vez de sermos mais uma ovelha num rebanho, ter sempre presente que a sabedoria de que precisamos para vencer os obstáculos e necessidades diárias não vem enfiada em manuais escolares".
Marta Boldt reconhece que a escola tem vantagens e desvantagens e continua adepta do ensino em casa. "O problema não está certamente nos profissionais, pois com turmas de mais de 20 crianças e limitados a quatro paredes não podem fazer milagres e devem ser felicitados por, mesmo assim, conseguirem, eles e algumas crianças, chegar a bom porto", comenta.
O ensino doméstico é legal em Portugal. O boletim das matrículas tem essa opção. O familiar que será o tutor da criança tem de apresentar o certificado de habilitações - que terá sempre de ser superior ao da criança ou jovem - e, dependendo da direção regional de educação, a avaliação é acordada entre o encarregado de educação e a escola. A legislação prevê que a criança será sujeita a um exame no final de cada disciplina.
Segundo os dados mais recentes, disponibilizados pelo Ministério da Educação e Ciência, havia 82 alunos inscritos na modalidade de ensino doméstico e individual em 2009/2010 - a maioria no 1.º e 2.º ciclos, alguns no 3.º ciclo e nenhum no Ensino Secundário. Em termos geográficos, e durante esse período, 40 alunos pertenciam à Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, 15 à Direção Regional de Educação do Centro, mais 12 no Norte, oito no Algarve e sete no Alentejo. A execução deste ensino é coordenada pelas direções regionais de educação espalhadas pelo país.
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