Por Diácono Felipe Isaac Paschoal Rocha, EP.
Fonte: gaudiumpress.org
Existem na natureza certos fenômenos meteorológicos dos
quais bem podemos tirar uma grande lição para a nossa vida espiritual. Com
efeito, ao contemplarmos um belo pôr-do-sol, ou a feérica de cores de um
magnífico arco-íris, ou, quiçá, a alvura espetacular de um campo totalmente
nevado, nossas almas louvam o Criador por todos os dons da Criação. Nos unimos,
então, à Ele pela consideração maravilhada destes prodígios naturais: ditos
espetáculos bem representam a união da alma justa com o Criador.
Porém outros fenômenos, completamente distintos dos que
acima foram vistos, bem representam a Justiça Divina, Majestosa e Implacável
para com o pecador empedernido. Assim a vemos representada nas ferozes
tempestades, nos ensurdecedores - mas quão deslumbrantes - trovões, e ainda, no
tremendo e destruidor furacão...
É justamente esta Divina Implacabilidade do Criador que
vemos representada em alguns salmos das Sagradas Escrituras! "Se tiverdes
em conta nossos pecados, Senhor, quem poderá subsistir diante de vós?" (Sl
129, 3); "Vossa cólera nada poupou em minha carne, por causa de meu pecado
nada há de intacto nos meus ossos" (Sl 37, 4); "Em vossa cólera não
me repreendais, em vosso furor não me castigueis" (Sl 6, 2): estes e alguns
outros salmos nos demonstram a Inexorabilidade de Deus para com aqueles que não
se arrependem dos seus delitos... Mas será somente esse aspecto que o leitor
encontrará na leitura dos salmos penitenciais, essas verdadeiras e valiosas
jóias de literatura? Nos salmos penitenciais encontramos rios de sabedoria,
louvor e perdão.
O livro dos Salmos, uma obra sapiencial
Sabedoria. Os salmos que acabamos de contemplar compõem,
junto com muitos outros, o livro dos Salmos. Originariamente intitulava-se como
sendo o livro dos Hinos, e com a tradução dos LXX passou a denominar-se tal
qual o conhecemos. Junto com os livros de Jó, os Provérbios, o Eclesiastes, o
Cântico dos Cânticos, o da Sabedoria e o Eclesiástico, o Livro dos Salmos
compõe no Antigo Testamento a classe dos livros cognominados como Sapienciais.
Assim são denominados porque por meio deles podemos tomar os pressupostos
necessários para, a partir das criaturas, conhecermos a Deus. Neles encontramos
a nota comum de conselhos como que divinos para se ter uma vida justa, e, por
meio desta, estar em paz com o Criador. Eles ensinam a viver com sabedoria.
No caso concreto do livro dos Salmos, ele é composto por 150
salmos que foram redigidos nas mais diversas épocas, e por vários autores...
Primeiramente eram todos eles atribuídos àquele que é conhecido como o
"Cantor dos Salmos de Israel" (2Sm 23, 1): o Profeta David.
Posteriormente verificou-se que seria mais correto afirmar que os salmos foram
escritos não apenas por um, mas por diversos autores. Assim vemos, então, em
alguns a pluma do Grande David, que marcou não só a história do povo hebreu,
mas sim a do mundo por ser um dos antepassados de Nosso Senhor; em outros
salmos, encontramos a pena de personagens tragados pelo anonimato da História -
dos quais nem sequer se conhece a vida - como a Asaf, Heman e os filhos de
Coré; e em outros salmos, anônimo é o autor. Mas toda esta questão é
secundária, tendo-se em consideração a beleza, o intuito e os vários modos com
os quais foram escritos os salmos.
Modos de louvar a Deus
Com efeito, nota-se em todos os salmos um tema freqüente: é
que foram escritos de forma poética com o intuito de louvar e reverenciar a
Deus, mostrando ao homem o modo dEle agir e atuar ao longo de toda a História -
seja por meio de prêmios ou castigos -, desde o momento da Criação, e até mesmo
na vida cotidiana de todos os pobres mortais. Em alguns salmos, encontramos
especialmente uma nota de súplica por alguma catástrofe que está para se
realizar, e que se roga a Deus para que não se concretize; já em outros, o
tônus é de ação de graças por um benefício recebido... Podemos destacar, entre
tantos e tantos outros modos com os quais os salmos foram escritos, aqueles
salmos que louvam especialmente a majestade de Deus, como o salmo 113 (1-4):
"Louvai, ó servos do Senhor, louvai o nome do Senhor. Bendito seja o nome
do Senhor, agora e para sempre. Desde o nascer ao pôr-do-sol, seja louvado o
nome do Senhor. O Senhor é excelso sobre todos os povos, sua glória ultrapassa
a altura dos céus"; ou, então, aqueles que possuem um caráter litúrgico,
que eram utilizados nas festas do antigo Israel e nas peregrinações à
Jerusalém: "Que alegria quando me disseram: Vamos à casa do Senhor... Eis
que nossos pés já se detêm diante de tuas portas, ó Jerusalém!" (Sl 122,
1-2).
Há, ainda, alguns salmos que contém - de modo singular - um
pedido de perdão... Possuem um caráter de arrependimento, contrição e
sacrifício, nos quais apresenta-se nitidamente o rigor da Divina Justiça para
com o pecador empedernido em suas faltas - e aos quais bem podemos comparar às
terríveis catástrofes da natureza vistas a pouco... São, justamente, os salmos
que a piedade católica denominou como Penitenciais.
Clamorosos pedidos de perdão
São denominados Salmos Penitenciais os que a Vulgata enumera
como sendo os salmos 6, 31, 37, 50, 101, 129 e 142. Ditos salmos possuem, mais
que os demais, sentimentos de penitência, com os quais o Salmista comprova a
gravidade do seu pecado e roga a Deus o perdão imerecido... Vemos claramente
nestes sete salmos a Majestade Divina que é insultada com a torpeza do pecado.
E pari-passu a isto verificamos o verdadeiro - e quão pungente - exemplo do
Salmista, que se arrepende inteiramente da má ação cometida, e implora a Deus
indulgência para com os seus delitos. A partir desta atitude de contrição,
nasce uma outra súplica: a de que Deus aplaque a Sua Santa ira, e considerando
a Infinita Bondade Divina, roga o Salmista que Deus abrande o castigo!
Desde tempos imemoriais adotou a Santa Igreja a estes sete
salmos para utilizá-los como uma "fonte penitencial": por meio deles
incutir nos fiéis o verdadeiro espírito do arrependimento dos pecados, e, deste
modo, fazer com que todos se penitenciem das suas faltas. O resultado é que
ditos salmos figuram em vários momentos na vida da Igreja, seja no Ofício
Divino, seja na Sagrada Liturgia, tanto na recitação diária e silenciosa, como
no cântico em coro... Orígenes afirmava que o motivo que levou a Igreja a
eleger sete salmos penitenciais equivalia a sete modos pelos quais se adquire o
perdão dos pecados, que seriam: por meio do batismo, do martírio, pelas
esmolas, perdoando os pecados alheios, convertendo o próximo, pela efusão da
caridade, e por fim, pela própria penitência.
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