Fonte: http://www.gaudiumpress.org
Amor de mãe
Nada na ordem da criação reflete
mais o amor de Nossa Senhora por cada um de nós, quanto o amor de uma mãe por
um filho.
Para esta, não existe barreiras
que a impeça de estar junto a seu filho, para cumulá-lo de carinho, desvelo, e
impedir que lhe aconteça algum mal. Nem mesmo a doença os pode separar. Há
casos de mães que chegam a ficar trinta e seis horas ao lado seus filhos, sem
sequer sair para comer ou dormir, abandonando apenas o leito quando cessa o
perigo da doença. Isso sem falar de terapias, que usam sua voz para trazer
alguém em estado de coma à lucidez dos sentidos... tal é o poder terapêutico do
amor de uma mãe por um filho.
Amor de Nossa Senhora por Nosso
Senhor
Ora, se isso acontece com o comum
das mães, como não será com Nossa Senhora em relação a seu Divino Filho? O que
não terá sentido a Mãe das mães, ao gestar o "bendito fruto de seu
ventre" (Lc 1, 18)? As diversas manifestações de Nosso Senhor durante a
mesma gestação, a infância de Jesus, os trinta anos de convívio com Ele, o que
não terá produzido em seu coração e em sua alma? Ela, que foi predestinada
desde toda a eternidade para ser a Mãe de Deus[1]? Esses mistérios insondáveis,
nós só os vislumbraremos - totus sed non totaliter - na Visão Beatífica.
Ausência de Nosso Senhor na terra
Certo é que, no momento em que
todos abandonaram o Divino Redentor, Nossa Senhora não abandonou, e até no
momento trágico e lancinante da Crucifixão e morte, Ela esteve junto a seu
Filho.
Após a Ressurreição e a Ascensão,
enquanto Nossa Senhora, custodiada por São João Evangelista, iluminava os
homens com sua augusta presença, é de se pensar quanto não terá Ela sofrido com
a ausência física de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra...
Nossa Senhora morreu ou não?
Nessa perspectiva, podemos
conjecturar se não seria lógico que, após dolorosa separação entre Mãe e Filho,
Ela quisesse se unir a Ele na eternidade, passando desta vida à outra, pelo
mesmo caminho por Ele traçado: a morte.
Entretanto, não há nos Evangelhos
relatos a este respeito, seja do lugar, das circunstâncias, etc. O que se
supõe, vem-nos através da Tradição. Inclusive, a crença antiga atribui dois
locais distintos para designar o lugar em que se deu tal morte. Não se pode ter
uma certeza sobre esta questão, pois a Igreja ainda não se pronunciou sobre
ela, de maneira que a dúvida continua assaltando o espírito dos fiéis: afinal,
Nossa Senhora morreu ou não?
Argumentos a favor e contra
Muitos são os que discutem sobre
a questão, alguns a favor da morte de Maria, outros contra. Não faltam
argumentos, na sua maioria de peso de ambas as partes. Eis uma visão, à la vole
d'oiseau, do problema, e de alguns argumentos sustentados pelos teólogos:
Os teólogos que sustentam a tese
a favor da morte de Maria têm, em seu arsenal de argumentos, o apoio da maioria
dos relatos da Tradição, da festa litúrgica do Trânsito de Maria, dos Santos
Padres, e também de teólogos luminares na Igreja, como por exemplo, São Tomás
de Aquino, que afirmava ser a carne da Virgem concebida em pecado original e,
por isto, contraiu tais deficiências (S. Th. III, q. 14,a. 3 ad 1)[2], entre
elas, a morte.
O testemunho de Santo Efrém (†
373), o primeiro a falar desta questão, é também relevante: "Virgem, ela o
deu à luz, e fica incólume em sua virgindade; (...) Ela é virgem, e assim
morre, sem que sejam violados os selos de sua virgindade".[3]
Outro argumento usado na contenda
é o de Santo Agostinho (†430) comentando a passagem do Evangelho de São João (19,
27)[4]: "Confia ele sua Mãe ao discípulo, pois havia de morrer antes de
sua Mãe Aquele que havia de ressuscitar antes que sua Mãe morresse".[5]
Acrescentando "mais lenha à
fogueira", os teólogos apelam à razão teológica em relação à morte de
Maria: "morreu por exigências de sua maternidade divino-co-redentora; para
exemplo e consolo nosso; [e também] Maria superior a Cristo no que diz respeito
à morte corporal?" [6]
Não faltariam testemunhos a favor
da morte de Maria, como o da Liturgia - cuja origem remete ao séc. VII -, da
Teologia Medieval, etc. Mas, basta este elenco - que de si, já é bastante forte
- para se ter uma noção de qual a sua postura.
A outra corrente teológica
baseia-se, entre outros, nos argumentos de conveniência, por exemplo, este:
como em conseqüência da Maternidade Divina está a exemplaridade de Maria, ou
seja, como "Maria é, em todos os domínios, a realização primeira e
exemplar dos dons que são espalhados na Igreja, o tipo da Igreja"
[7],todos os privilégios que os Anjos e santos tiveram ou terão, e que convêm a
Nossa Senhora, Ela os teve, em grau insondavelmente maior que todos eles. Ora,
consta queos últimos fiéis no fim dos tempos não experimentarão a morte[8], e
passarão desta vida à outra sem morrer, devido às grandes tribulações por eles
sofridas, portanto, é arquitetônico que Nossa Senhora também tenha esse
privilégio, pois nenhum sofrimento se compara ao d'Ela aos pés da Cruz.[9]
Outro ponto: se a mortalidade é
uma carência de um dom concedido anteriormente a Adão, carência esta que é
efeito de um castigo pelo pecado cometido, como pode Nossa Senhora estar
desprovida deste dom?[10]
Outro argumento teológico
utilizado na discussão diz: Maria tinha o direito de não morrer em virtude de
sua Imaculada Conceição, que a preservou da culpa e da pena anexa a esta, que é
a morte.[11]
Explicando melhor, com a sentença
dada por Deus, "morrerás" (Gn 2, 17), o homem foi despojado do dom
gratuito da imortalidade, ficando reduzido ao estado de pura natureza. Neste, o
processo normal tende inevitavelmente à morte e nela se desfecha; entretanto, o
que seria natural em outra ocasião, agora é penal, por causa do pecado. A
questão está em provar o porquê se encontrava Maria na condição de mortalidade
quando esta condição é exclusivamente um castigo para os homens devido ao
pecado.
Os próximos argumentos do teólogo
Pe. Jugie são deduções da Tradição: "Até fins do século VI se desconhecia
em Jerusalém a existência de um sepulcro da Virgem, ainda que a partir de fins
do século V se mostrou em Getsêmani uma casa de Maria, de onde se diz que Ela
foi levada ao Céu".[12]
"No princípio, em um círculo
mais restrito de fiéis, houve uma verdadeira tradição oral [que se remonta a
São João] sobre o modo com que Maria passou desta terra ao céu. Mas é
necessário notar que essa tradição, conhecida por muito poucos, se obscureceu
muito rápido, ainda mesmo na Palestina, a tal ponto que o palestino São
Epifânio não tem dela a menor lembrança".[13]
A Igreja não definiu a questão
Para ver o quanto a questão é
complicada, basta dizer que até os escritores mais antigos abordavam o assunto
com delicadeza, não ousando se pronunciar sobre o tema, por risco de serem alvo
de censura. É o que expressa Santo Epifânio (315-403): "A Sagrada
Escritura não diz se Maria morreu, se foi sepultada ou se não foi sepultada...
Conservou absoluto silêncio por causa da grandeza do prodígio, a fim de não
deixar assombrados os espíritos dos homens. Quanto a mim, não ouso falar disso.
Conservo a questão em minha mente e me calo". [14] E acrescenta mais
adiante: "(...) Com efeito, a Sagrada Escritura se colocou acima dos
espíritos dos homens e deixou este ponto, na incerteza por reverência a essa Virgem
incomparável, a fim de evitar conjetura baixa e carnal a respeito de Maria.
Morreu? Não o sabemos".[15]
Subiu aos Céus em corpo e alma
Poder-se-ia trazer a lume
inúmeros argumentos de as ambas correntes, e mostrar como o assunto é por
demais polêmico e difícil de ser resolvido. Todos, entretanto, são unânimes em
afirmar que Maria Santíssima foi Assunta aos Céus em corpo e alma, que se deu
de fato a glorificação de ambos. Porém, a Santa Madre Igreja, não querendo
entrar em pormenores anteriores à inegável Assunção da Santíssima Virgem, ou
seja, de como este fato se deu, se através da morte e ressurreição, ou se foi
transladado imediatamente desta vida à celeste, por um leve sono, assumindo
ainda em vida um corpo glorioso, se expressou da seguinte maneira por Pio XII
na Bula Muficentissimus Deus, n°18: "(...) para credenciar a glória dessa
mesma augusta Mãe e para o gáudio e a alegria de toda a Igreja (...)
pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma revelado por Deus que a
Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida
terrestre foi Assunta em corpo e alma à Glória Celestial." [16]
Assim, prescindindo
intencionalmente, quer do fato da "morte", quer da "não
morte", e apenas se limitando ao fato da Assunção da Santíssima Virgem à
glória celeste, a Igreja, acolhendo todos os anseios de séculos de piedade
cristã, se mantém numa posição equilibrada, neutra e prudente, dando a
verdadeira impostação de espírito para a questão de uma forma sábia
encantadora: Dormitio Beatae Mariae Virginis - o sono da Santíssima Virgem.
Por Anderson Carlos de Oliveira
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