Se a alma confiar em Deus e perseverar, as areias se transformarão em
formosas flores. E quanto mais longa tiver sido a aridez, tanto maior
será a fecundidade.
Infecundidade, fastio, desolação,
abandono, aridez, perigo... Interrompamos aqui esta lista de enfadonhos
substantivos para qualificar uma obra tão emblemática saída das mãos de
Deus: o deserto.
Talvez o leitor esteja se perguntando
como pode ser possível encontrar alguma simpatia ou atração em tanto
calor e areia. Para desvendar esta incógnita, comecemos por recordar que
a criação não é fruto do acaso e se deitarmos um olhar menos
superficial sobre o mundo em torno de nós, veremos que todas as coisas
remetem a uma realidade mais alta.
Escolhido pelo Criador como cenário de
peregrinação do povo judeu por quarenta anos, o deserto bem pode
simbolizar uma situação pela qual todos devem passar, por desígnio da
Providência, tendo em vista o próprio crescimento espiritual: a provação
ou a aridez. Em quaisquer desses estados, a alma tem a impressão de
serem infrutíferos todos os seus esforços; o avançar na virtude, que
antes parecia ter asas, aos poucos vai se tornando mais lento; o
caminhar se transforma num arrastar-se que parece sem proveito ou efeito
algum. No panorama, nenhuma nuvem condescende em fazer-lhe sombra para
protegê-la do sol causticante. Todas as lutas e obstáculos a enfrentar,
que antes a entusiasmavam, agora se lhe afiguram como algo pesado e até
insuportável! E quando desponta nesse deserto espiritual alguma
expectativa de alívio, como um verdejante oásis na imensidão inóspita,
ela logo se esvai, deixando na alma a sensação de encontrar-se em meio a
uma tempestade, não de areia, mas de confusão interior.
Por mais absurda que possa parecer a
afirmação, este é um dos mais belos momentos da vida de alguém! Pois se a
alma confiar em Deus e perseverar, as areias se transformarão em
formosas flores. E quanto mais longa tiver sido a aridez, tanto maior
será a fecundidade quando aprouver à Divina Providência irrigar a alma,
pois "as grandes esperas são exatamente o prelúdio dos grandes dons de
Deus".1
Isto se verifica em desertos como o do
Atacama, no Chile, o de Sonora, na América do Norte, ou o do Kalahari,
no Sul da África. Estéreis durante quase todo o ano, as raríssimas
chuvas com as quais são beneficiados fazem desabrochar neles numerosas
flores de singular beleza, cujas sementes jaziam sob o solo durante
meses ou anos. Imagem da alma que, em meio às agruras da vida, oferece a
Deus suas dificuldades, prossegue seu combate confiando contra todas as
aparências, persevera com firmeza verdadeiramente cristã e se renova ao
receber algumas gotas de graça.
Entretanto, as graças cairão em
torrentes se para tal concorrer um simples querer d'Aquela que a piedade
católica chama de Maria fons. Ela, mais do que uma fonte encontrada por
um sedento no deserto, é a Medianeira do manancial das graças, Cristo
Jesus, e deseja nos conceder a água viva por Ele prometida à samaritana:
"O que beber da água que Eu lhe der jamais terá sede. A água que Eu lhe
der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna" (Jo
4, 14).
Saibamos recorrer a Ela em nossos
momentos de aridez, sem jamais perder a esperança de que no areal das
debilidades de nossa alma sempre poderão vicejar novos frutos de
virtude. Ao longo de nosso peregrinar terreno rumo ao Jardim celeste,
nunca nos esqueçamos desta consoladora verdade: pela intercessão de
Maria, não só a boa semente produz cem por um em nossa seara, mas até o
deserto floresce!...
Por Fahima Spielmann
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1CORRÊA DE OLIVEIRA. Plinio. Conferência. São Paulo, 23 mar. 1970.
Fonte: http://www.gaudiumpress.org
Link: http://www.gaudiumpress.org/content/56623
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