A liturgia do 31º Domingo do Tempo Comum convida-nos a uma reflexão
séria sobre a seriedade, a verdade e a coerência do nosso compromisso
com Deus e com o Reino. De forma especial, as leituras deste domingo
interpelam os animadores das comunidades cristãs acerca da verdade do
seu testemunho, da pureza dos seus motivos, do seu real empenho na
construção de comunidades comprometidas com os valores do Evangelho.
O Evangelho apresenta-nos o grupo dos “fariseus”. Critica violentamente a
sua pretensão à posse exclusiva da verdade, a sua incoerência, o seu
exibicionismo, a sua insensibilidade ao amor e à misericórdia. Mais do
que informação histórica, é um convite aos crentes no sentido de não
deixarem que atitudes semelhantes se introduzam na família cristã e
destruam a fraternidade, fundamento da comunidade.
Na primeira leitura um “mensageiro de Jahwéh” interpela os sacerdotes de
Israel. Convocados por Deus para serem “mensageiros do Senhor do
universo”, para ensinar a Lei e para conduzir o Povo para Deus, eles
deixaram-se dominar por interesses egoístas, negligenciaram os seus
deveres, desvirtuaram a Lei. Eles são, por isso, os grandes responsáveis
pelo divórcio entre Israel e o seu Deus. Jahwéh anuncia que não pode
tolerar esse comportamento e que vai desautorizá-los e desmascará-los.
A segunda leitura apresenta-nos, em contraste com a primeira, o exemplo
de Paulo, Silvano e Timóteo – os evangelizadores da comunidade cristã de
Tessalónica. Do esforço missionário feito com amor, com humildade, com
simplicidade, com gratuidade, nasceu uma comunidade viva e fervorosa,
que acolheu o Evangelho como um dom de Deus, que se comprometeu com ele e
que o testemunha com verdade e coerência.
LEITURA I – Mal 1,14b-2,2b.8-10
Leitura da Profecia de Malaquias
Eu sou um grande Rei, diz o Senhor do Universo,
e o meu nome é temível entre as nações.
Agora, este aviso é para vós, sacerdotes:
Se não Me ouvirdes,
se não vos empenhardes em dar glória ao meu nome,
diz o Senhor do Universo,
mandarei sobre vós a maldição.
Vós desviastes-vos do caminho,
fizestes tropeçar muitos na lei
e destruístes a aliança de Levi,
diz o Senhor do Universo.
Por isso, como não seguis os meus caminhos
e fazeis acepção de pessoas perante a lei,
também Eu vos tornarei desprezíveis e abjectos
aos olhos de todo o povo.
Não temos todos nós um só Pai?
Não foi o mesmo Deus que nos criou?
Então porque somos desleais uns para com os outros,
profanando a aliança dos nossos pais?
AMBIENTE
O nome “malaquias” não é um nome próprio. Significa “o meu
mensageiro”. É o título tomado por um profeta anónimo, sobre o qual
praticamente nada sabemos e que se apresenta como “mensageiro” de
Jahwéh.
Trata-se, em qualquer caso, de um profeta que actua em Jerusalém, no
período pós-exílico. Ele é um aguerrido defensor dos valores judaicos,
fervoroso pregador de reformas, zeloso defensor do culto autêntico,
favorável ao Templo, à pureza dos sacerdotes e dos levitas, defensor dos
sacrifícios e contrário aos matrimónios mistos (entre judeus e não
judeus).
Na sua época, o Templo já havia sido reconstruído (cf. Mal 1,10) e o
culto já funcionava – ainda que mal (cf. Mal 1,7-9. 12-13). No entanto, o
entusiasmo pela reconstrução estava apagado. Desanimado ao ver que as
antigas promessas de Deus (veiculadas por Ezequiel e pelo
Deutero-Isaías) não se tinham cumprido, o Povo tinha caído na apatia
religiosa e na absoluta falta de confiança em Deus… Duvidava do amor de
Deus, da sua justiça, do seu interesse por Judá. Todo este cepticismo
tinha repercussões no culto (cada vez mais desleixado) e na ética
(multiplicavam-se as falhas, as injustiças, as arbitrariedades). Este
quadro, posterior à restauração do Templo, situa-nos na primeira metade
do séc. V a.C. (entre 480 e 450 a.C.), muito próximo da época de Esdras e
Neemias.
Este “mensageiro de Deus” reage vigorosamente contra a situação em que o
Povo de Judá está a cair. Coloca cada um diante das suas
responsabilidades para com Jahwéh e para com o próximo, exige a
conversão do Povo e a reforma da vida cultual. A sua lógica é a lógica
deuteronomista; se o Povo se obstinar em percorrer caminhos de
infidelidade à Aliança, voltará a conhecer a morte e a infelicidade; mas
se o Povo se voltar para Jahwéh e cumprir os mandamentos, voltará a
gozar da vida e da felicidade que Deus oferece àqueles que seguem os
seus caminhos.
O texto de Malaquias que hoje nos é oferecido faz parte de uma longa
perícopa na qual o profeta se queixa pela falta de respeito e pelo
desprezo que a comunidade judaica sente pelo nome de Jahwéh (cf. Mal
1,6-2,9). Os culpados da situação são, sobretudo, os sacerdotes… Eles
deviam ser os primeiros a potenciar a relação entre o Povo e Deus; mas,
preocupados com os seus interesses pessoais e animados pelo espírito de
lucro, oferecem sobre o altar alimentos impuros (cf. Mal 1,7),
sacrificam animais cegos, coxos ou doentes (cf. Mal 1,8), fazendo com
que os actos cultuais sejam a expressão, não do amor, mas da indiferença
e da falta de respeito do Povo por Jahwéh.
Culpados da perversão do culto, os sacerdotes são culpados de outra
coisa ainda mais grave: eles falsificam gravemente a Palavra de Deus. É a
esta questão que a nossa leitura de hoje se refere.
MENSAGEM
Malaquias tem consciência de que Jahwéh fez “uma Aliança com Levi”
(cf. Mal 2,4-5), na qual os sacerdotes receberam como missão ensinar a
Lei a Israel e apresentar os sacrifícios no altar de Deus (cf. Dt
33,8-10). Constituídos “mensageiros do Senhor do Universo” (Mal 2,7), os
sacerdotes deviam rejeitar a iniquidade, conhecer a Lei de Deus e
apresentá-la fielmente ao Povo, caminhar com Jahwéh na paz e na
rectidão, afastar o Povo do mal (Mal 2,6).
Na verdade – considera Malaquias – não é isso que acontece. Os
sacerdotes não só se desviaram do caminho da Lei e dos mandamentos, como
também fizeram o Povo vacilar, ensinando a Lei de forma deturpada. Em
vez de orientar o Povo nos caminhos da Aliança, desviam-no para longe de
Deus… Mais ainda, não consideram todos iguais e fazem acepção de
pessoas (possivelmente, o profeta refere-se a tratamento desigual
concedido pelos sacerdotes a ricos e a pobres, a poderosos e a
humildes).
Deus pode pactuar com estas atitudes e comportamentos? É evidente que
não… Portanto, Jahwéh vai desautorizar e desqualificar estes sacerdotes
indignos, tornando-os desprezíveis e abjectos aos olhos de todo o Povo.
Todos verão que eles já não têm a confiança de Deus e que lhes foi
retirada a autoridade para serem testemunhas de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
• Por detrás da denúncia que a primeira leitura de hoje nos
apresenta, está uma comunidade instalada no desânimo, no cepticismo e na
apatia. Estes sentimentos negativos vão conduzir ao laxismo, à
indiferença, ao desrespeito pelos compromissos; e, continuando a
escorregar pelo mesmo plano inclinado, a comunidade irá,
inevitavelmente, cair em atitudes concretas de falta de respeito e de
desprezo para com Deus, de injustiça e de violência para com os irmãos.
Nenhuma das nossas comunidades cristãs ou religiosas está isenta desta
“doença” e pode garantir que não percorrerá um caminho semelhante… Só
uma comunidade que aceita pôr-se em contínuo processo de conversão pode
evitar um processo deste tipo, ao redescobrir, em cada instante, os
fundamentos da sua fé e da sua esperança e ao revitalizar os seus
compromissos com Deus e com os irmãos.
• Aos animadores das comunidades foi confiada por Deus e pela Igreja a
missão fundamental de interpelar a comunidade, de revitalizar o seu
ânimo, de recordar a cada crente os seus compromissos, de testemunhar a
todos o amor de Deus… Aqueles que, de alguma forma, têm
responsabilidades na animação das comunidades, desempenham este serviço
com dedicação e entusiasmo, conscientes da grave responsabilidade que
assumiram diante de Deus e da Igreja, ou instalam-se no comodismo e na
indiferença, deixando que a sua comunidade caminhe à deriva e sem
objectivos? Os animadores das nossas comunidades cristãs são apenas
funcionários que asseguram o expediente das “nove às cinco”, com
intervalo sagrado para almoço e sesta, ou são cristãos responsáveis que,
fiéis à missão que lhes foi confiada, põem a vida ao serviço de Deus e
dos irmãos?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 130 (131)
Refrão 1: Guardai-me junto de Vós, na vossa paz, Senhor.
Refrão 2: Guardai-me na vossa paz, Senhor.
Senhor, não se eleva soberbo o meu coração,
nem se levantam altivos os meus olhos.
Não ambiciono riquezas,
nem coisas superiores a mim.
Antes fico sossegado e tranquilo,
como criança ao colo da mãe.
Espera, Israel, no Senhor,
agora e para sempre.
LEITURA II – 1 Tes 2,7b-9.13
Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
Irmãos:
Fizemo-nos pequenos no meio de vós.
Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar,
assim nós também, pela viva afeição que vos dedicamos,
desejaríamos partilhar convosco,
não só o Evangelho de Deus, mas ainda própria vida,
tão caros vos tínheis tornado para nós.
Bem vos lembrais, irmãos, dos nossos trabalhos e canseiras.
Foi a trabalhar noite e dia,
para não sermos pesados a nenhum de vós,
que vos pregámos o Evangelho de Deus.
Por isso, também nós damos graças a Deus sem cessar,
porque, depois de terdes ouvido a palavra de Deus
por nós pregada,
vós a acolhestes, não como palavra humana,
mas como ela é realmente, palavra de Deus,
que permanece activa em vós, os crentes.
AMBIENTE
Quando escreve a Primeira Carta aos Tessalonicenses, Paulo está em
Corinto. De Tessalónica chegaram, por Timóteo, notícias animadoras: os
tessalonicenses continuam empenhados em viver, com fidelidade, o
Evangelho que Paulo lhes anunciou. Nem as dificuldades do dia a dia, nem
a deficiente formação doutrinal, nem a hostilidade das autoridades de
Tessalónica conseguiram arrefecer o entusiasmo dos membros da
comunidade. Eles são, verdadeiramente, um modelo para as comunidades
cristãs de toda a Grécia. Paulo escreve, então, animando-os a prosseguir
no caminho da fidelidade a Jesus e ao Evangelho. Aproveita também para
esclarecer algumas questões de carácter doutrinal e para corrigir alguns
aspectos da vida da comunidade. Estamos na primeira metade do ano 50 ou
51.
Nos três primeiros capítulos da carta, Paulo agradece a Deus pela sua
acção em favor da comunidade (cf. 1 Tes 1,1-3,13). A comunidade nasceu e
consolidou-se de forma tão prodigiosa e em tão pouco tempo, que é
preciso ver em tudo isso a intervenção de Deus. O coração de Paulo de
Paulo transborda, pois, de alegria e de agradecimento…
Depois de uma clássica oração de louvor a Deus Pai e ao Senhor Jesus
Cristo, que tornaram possível em Tessalónica o milagre do Evangelho (cf.
1 Tes 1,2-10), Paulo evoca emocionadamente, sempre em clima de acção de
graças, os inícios dessa jovem mas entusiasta comunidade cristã (cf. 1
Tes 2,1-12).
MENSAGEM
Na leitura que hoje nos é proposta, Paulo recorda, sobretudo, o comportamento dos missionários que evangelizaram Tessalónica.
O apóstolo começa por descrever o amor e o afecto de Paulo, Silvano e
Timóteo pelos crentes tessalonicenses, recorrendo à sugestiva imagem da
mãe… Os missionários foram “como a mãe que acalenta os filhos que anda a
criar” (vers. 7b) e manifestaram aos tessalonicenses, em todos os
momentos e situações, o seu amor, a sua ternura e o seu afecto.
Fizeram-se pequenos, humildes e simples, e nunca trataram ninguém com
aspereza ou sobranceria; manifestaram a todos a sua afeição, amaram
todos com um amor serviçal e desinteressado; colocaram-se ao serviço da
comunidade de forma total e incondicional e aguentaram todos os
trabalhos e canseiras sem lamentos nem queixumes; partilharam com os
membros da comunidade cristã, não só o Evangelho, mas a própria vida
(vers. 8).
Depois, Paulo faz referência à gratuidade com que os missionários
actuaram… Além de pregarem o Evangelho, trabalharam “noite e dia” para
não serem pesados para ninguém da comunidade (vers. 9). No que a Paulo
diz respeito, é possível que este “trabalho” se refira ao ofício de
tecedor de tendas de campanha, que ele provavelmente aprendeu na sua
meninice, em Tarso, junto do seu pai. Esse ofício irá ajudá-lo a ganhar o
seu sustento (nomeadamente em Corinto, quando Paulo esteve em casa de
Priscila e Áquila – cf. Act 18,3) e fá-lo-á sentir-se identificado com
todos os outros homens.
O que interessa, no entanto, é isto: Paulo e os seus companheiros não
pregaram o Evangelho por interesse pessoal, em vista de qualquer
remuneração material. O que os moveu foi apenas o interesse do Evangelho
e da salvação de todos os homens e mulheres.
O nosso texto termina com uma referência à forma como os tessalonicenses
acolheram a Palavra anunciada por Paulo e pelos seus companheiros de
missão: receberam-na “não como Palavra humana, mas como ela é realmente,
Palavra de Deus”, que permanece activa no coração dos crentes e que os
transforma (vers. 13).
A comunidade cristã não é só fruto da Palavra proclamada, mas também da
Palavra escutada, acolhida e vivida. Os tessalonicenses tiveram, desde
logo, a percepção essencial de que a Palavra que lhes foi anunciada era
Palavra de Deus e não a palavra de Paulo ou de qualquer outro pregador
cristão. No processo de anúncio, de acolhimento e de transmissão do
Evangelho, todos devemos ter a consciência de que o importante não é o
instrumento humano que anuncia a Palavra (por mais que ele seja atraente
e brilhante), mas a proposta que, através desse instrumento humano,
Deus nos faz.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta as seguintes linhas:
• Esta página diz-nos, em primeiro lugar, que os anunciadores do
Evangelho não podem ser simples funcionários, frios e distantes, que
cumprem pontual e burocraticamente a tarefa que lhes foi confiada; mas
que têm de ser como uma mãe cheia de amor, que ama com ternura os seus
filhos, que partilha tudo com eles, que se sacrifica alegremente por
eles e que entrega totalmente a sua própria vida para que os filhos
tenham mais vida. O anúncio do Evangelho tem de ser, antes de mais, um
serviço de amor. É assim que nós – aqueles a quem foi confiada a missão
de anunciar o Evangelho – agimos? O nosso trabalho é feito com amor e
com entrega total, ou com o espírito de funcionário cansado que despacha
o expediente para se ver livre de uma tarefa monótona e fastidiosa?
Aqueles que contactam connosco encontram em nós testemunhas vivas e
entusiastas do amor de Deus, ou pessoas amargas, egoístas, agressivas
cansadas e desanimadas?
• Esta página diz-nos, em segundo lugar, que os anunciadores do
Evangelho devem dar-se à missão de forma absolutamente gratuita. O
Evangelho não pode, nunca, ser o pretexto para a satisfação de
interesses pessoais (enriquecimento material, busca de protagonismo,
promoção pessoal…), mas deve ser um serviço que se faz com total
gratuidade, generosidade e amor. O Evangelho não é um negócio, nem um
meio de enriquecimento rápido, nem uma forma de viver uma vida sem
grandes preocupações materiais; mas é salvação que, de forma totalmente
gratuita, Deus oferece a todos os homens.
• Convém estarmos conscientes de que não basta que a Palavra seja
proclamada: é preciso que ela seja, também, escutada e acolhida. Escutar
não significa apenas “ouvir com os ouvidos”, mas também acolher no
coração as propostas que nos são feitas por Deus. Estamos sempre
disponíveis para nos deixarmos interpelar e transformar pela Palavra que
nos é anunciada, ou o nosso coração é como essa terra dura que recebe a
semente e a deixa secar?
• No processo de escuta e de acolhimento da Palavra, é preciso não
esquecer que os anunciadores não são o essencial: o essencial é a
Palavra de Deus. Os homens podem apresentar a Palavra de forma mais ou
menos brilhante, mais ou menos sedutora, mais ou menos interpelativa;
mas é preciso sabermos discernir a beleza das palavras da força da
Palavra de Deus e não deixarmos que o essencial seja ofuscado pelo
brilho do acessório.
ALELUIA – Mt 23,9b.10b
Aleluia. Aleluia.
Um só é o vosso pai, o Pai celeste;
um só é o vosso mestre, Jesus Cristo.
EVANGELHO – Mt 23,1-12
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
Jesus falou à multidão e aos discípulos, dizendo:
«Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus.
Fazei e observai tudo quanto vos disserem,
mas não imiteis as suas obras,
porque eles dizem e não fazem.
Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens,
mas eles nem com o dedo os querem mover.
Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens:
alargam os filactérios e ampliam as borlas;
gostam do primeiro lugar nos banquetes
e dos primeiros assentos nas sinagogas,
das saudações nas praças públicas
e que os tratem por ‘Mestres’.
Vós, porém, não vos deixeis tratar por ‘Mestres’,
porque um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos.
Na terra não chameis a ninguém vosso ‘Pai’,
porque um só é o vosso pai, o Pai celeste.
Nem vos deixeis tratar por ‘Doutores’,
porque um só é o vosso doutor, o Messias.
Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo.
Quem se exalta será humilhado
e quem se humilha será exaltado».
AMBIENTE
O Evangelho deste domingo coloca-nos, mais uma vez, em Jerusalém, nos
últimos dias antes da paixão e morte de Jesus. É nesses dias que se
desenrola o confronto final entre Jesus e o judaísmo. Os líderes da
nação judaica, escudados nas suas certezas, convicções e preconceitos,
continuam a recusar a proposta do Reino e a preparar o processo contra
Jesus.
A passagem que hoje nos é proposta é a introdução a um extenso discurso
de condenação, que Jesus pronuncia contra os líderes religiosos de
Israel (cf. Mt 23,13-36). É neste discurso que aparecem os sete famosos
“ai de vós, escribas e fariseus…”. Para Mateus, o discurso é a resposta
de Jesus à intransigência dos judeus em acolher as propostas de Deus.
Ao longo do discurso, Mateus põe na boca de Jesus uma apreciação
extremamente negativa dos escribas (especialistas da Escritura, muitos
dos quais eram fariseus) e dos fariseus. É preciso dizer, no entanto,
que este retracto dos fariseus não é totalmente justo… No geral, os
fariseus eram crentes entusiastas, que procuravam conhecer e se
esforçavam por cumprir escrupulosamente a Lei de Moisés. Estavam
presentes em todos os passos da vida religiosa dos israelitas e
procuravam instilar no Povo o respeito pela Lei, a fim de que Israel
fosse, cada vez mais, um Povo santo, dedicado a Jahwéh e vivendo na
órbita de Jahwéh. Tratava-se de um grupo sério, bem intencionado,
verdadeiramente empenhado na santificação da comunidade israelita. No
entanto, o seu fundamentalismo em relação à Lei foi, algumas vezes,
criticado por Jesus. Ao afirmarem a superioridade da Lei, desprezavam
muitas vezes o Homem e criavam no Povo um sentimento de pecado e de
indignidade que oprimia as consciências… Dando demasiado relevo à Lei,
esqueciam o essencial – o amor e a misericórdia. E ao considerarem-se a
si próprios os “puros” que viviam de acordo com a Lei, desprezavam o
“'am aretz” (o “povo do país”) que, por causa da ignorância e da dura
vida que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei.
A opinião que Jesus fazia dos fariseus seria tão dura como a que este
texto nos apresenta? Provavelmente não. É preciso recordar que o
Evangelho segundo Mateus apareceu na parte final do séc. I (década de
80), quando os fariseus eram a corrente dominante no judaísmo e
apareciam como o rosto polémico desse adversário judaico com que os
cristãos todos os dias se confrontavam. Este texto deve estar marcado
por essa perspectiva. Talvez mais do que transmitir a opinião de Jesus
sobre os fariseus, apresenta a imagem que os cristãos dos finais do
primeiro século tinham do judaísmo e dos seus líderes.
MENSAGEM
O nosso texto divide-se em duas partes. Na primeira, Jesus traça um
retracto dos fariseus (vers. 1-7); na segunda, Jesus deixa alguns
conselhos aos discípulos para que não se transformem também em
“fariseus” (vers. 8-12).
Como são, então, os fariseus?
Deles diz-se, em primeiro lugar, que se sentam na cadeira de Moisés
(vers. 2). A expressão refere-se à autoridade exclusiva que os fariseus a
si próprios se atribuíam para interpretar a Lei de Moisés (é preciso
dizer, no entanto, que a acusação quadra melhor com os fariseus da época
de Mateus, do que com os fariseus da época de Jesus: na época de Mateus
– no judaísmo pós-destruição de Jerusalém – os fariseus já eram a
corrente dominante e funcionavam como a autoridade exclusiva na
interpretação e na aplicação da Lei, facto que não acontecia na época de
Jesus). Eles são acusados aqui de se terem apropriado da Palavra de
Deus e de a terem desvirtuado com regras, normas, obrigações
interpretações legalistas e casuísticas que, em lugar de favorecerem o
encontro do homem com Deus, só serviram para afastar cada vez mais os
dois parceiros da Aliança.
Deles diz-se, em segundo lugar, que são incoerentes (vers. 3). “Dizem e
não fazem”. O seu comportamento não é coerente com as suas palavras e os
seus ensinamentos. Os cristãos são convidados a escutar os seus
ensinamentos – coisa que muitos cristãos de origem judaica faziam – mas a
não imitar o seu exemplo.
Deles diz-se, em terceiro lugar, que carregam os homens com fardos
pesados e insuportáveis (vers. 4). Na verdade, as exigências dos
fariseus tornavam impossível a vida dos crentes, tantas eram as leis, as
obrigações, as proibições que eles faziam derivar da Lei. A
impossibilidade de conhecer e de cumprir todo esse imenso arsenal legal,
criava nos crentes uma consciência de impureza e de pecado que oprimia
as consciências e que matava a alegria. Era uma autêntica escravatura da
Lei.
Deles diz-se, finalmente, que gostam de fazer da sua fé e da sua piedade
um espectáculo e uma exibição. Fazem as coisas para que todos percebam a
sua grandeza e superioridade, e não se esquecem nunca de publicitar a
sua fé e a sua piedade. Por vaidade, alargam as filactérias (caixinhas
de couro contendo trechos da Torah, que os israelitas usam, a partir dos
13 anos, durante as orações matinais) e as borlas (franjas colocadas
nas quatro extremidades do manto – tallît – que o judeu piedoso colocava
aos ombros durante a oração). O que lhes interessa é a imagem que dão, o
reconhecimento dos homens e os títulos de honra.
E os cristãos, como devem viver? Que cuidados é preciso ter para que o farisaísmo não se perpetue na Igreja de Jesus?
Fundamentalmente, é preciso que a comunidade cristã seja uma verdadeira
fraternidade (vers. 8: “vós sois todos irmãos”). A Igreja não é
constituída por “superiores” e “súbditos”, “mestres” e “discípulos”,
“pais” e “filhos”, “doutores” e “alunos”, mas por irmãos iguais, que têm
um Pai comum (vers. 9: “um só é o vosso Pai, aquele que está no céu”) e
que seguem o mesmo Cristo (vers. 10: “um só é o vosso doutor, Cristo”).
Na Igreja de Jesus não pode haver quem queira mandar nos outros, ou
quem se considere a si próprio mais importante, mais digno, mais
honrado, mais preparado do que os outros… Na Igreja de Jesus não pode
existir, à imagem da estrutura hierárquica judaica, um esquema
complicado de graus, de acordo com a diferente dignidade dos membros da
comunidade. Na Igreja de Jesus os títulos de honra, os lugares
reservados, a luta pelos primeiros lugares, não fazem qualquer sentido.
Na comunidade de Jesus, só o amor e o serviço devem ter o primeiro lugar
(vers. 11: “o maior de entre vós, será o vosso servo”).
A comunidade cristã deve anunciar profeticamente o Reino de Deus… Ora,
nesse Reino proposto aos homens por Deus e inaugurado por Jesus, só o
Pai (Deus) e o Filho (Jesus) ocupam um lugar de honra. Os crentes,
iguais em dignidade, são irmãos; entre si, devem amar-se e fazer-se
servidores uns dos outros.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a partilha podem fazer-se tendo em conta os seguintes dados:
• O Evangelho do 31º Domingo do Tempo Comum dá conta de uma das mais
profundas divergências entre a proposta de Jesus e a cultura
contemporânea… Os valores que governam o nosso mundo garantem-nos que a
realização plena e a felicidade do homem dependem da posição a que ele
conseguir elevar-se na estrutura hierárquica da comunidade em que está
inserido (social, religiosa, profissional…) e do poder, da importância,
do reconhecimento que ele souber granjear, da sua capacidade de obter
sucesso; Jesus garante-nos que a realização plena do homem depende da
sua capacidade de amar e de servir… Em jogo estão duas visões
antagónicas da finalidade da vida do homem e dos caminhos que cada
pessoa deve percorrer para atingir a sua realização plena… De acordo com
a nossa sensibilidade e a nossa experiência de todos os dias, quem tem
razão?
• A Igreja, testemunha do Reino e dos valores propostos por Jesus,
tem de ser uma comunidade de irmãos que vivem no amor. Nela, não podem
ser determinantes os títulos, os lugares de honra, os privilégios, a
importância hierárquica… Na comunidade cristã, a única coisa
determinante é o serviço simples e humilde que se presta aos irmãos. Na
prática, é assim que as coisas se passam? Que valor tem, na Igreja, os
títulos, as posições hierárquicas, a visibilidade, os cargos, os
privilégios, os lugares de honra? Tudo isso não poderá contribuir
decisivamente para criar divisões que afectam a fraternidade e que negam
os princípios sobre os quais se constrói o Reino? Quando a vida das
nossas comunidades cristãs é marcada por lutas pelo poder, conflitos,
ciúmes, a comunidade está a avançar em direcção à fraternidade e ao
amor?
• Mateus, ao apresentar-nos essa poderosa invectiva contra os
“fariseus”, está a avisar os crentes contra a perpetuação de um
“farisaísmo” que destrói a comunidade. Está a sugerir que quando alguém
se arroga o direito divino de se instalar na cadeira do poder e se
constitui como único e decisivo critério de verdade, pode facilmente
substituir o Evangelho pelas suas próprias normas, pelas suas próprias
leis, pelos seus próprios esquemas e visões de Deus e do mundo.
• Mateus, ao escalpelizar a incoerência dos “fariseus”, está a
avisar-nos contra a tentação de mostrarmos o que não somos, de vendermos
uma imagem “corrigida e aumentada” de nós próprios para obtermos o
aplauso e admiração dos outros, de vivermos para as aparências e não
para o compromisso simples e humilde com o Evangelho… É que a mentira e a
incoerência destroem a paz do nosso coração, roubam-nos a alegria e a
serenidade, comprometem o nosso testemunho, minam a comunidade e põem em
causa os fundamentos do Reino.
• Mateus, ao denunciar a tendência dos “fariseus” para impor aos
outros pesos insuportáveis, está a avisar-nos contra a tentação de
inventar exigências e obrigações, mandamentos e leis que criam
escravidão, que oprimem as consciências, que metem medo, que impedem os
filhos de Deus de viverem livres e felizes. Isso acontece na Igreja de
que fazemos parte? As cargas com que, às vezes, carregamos os homens e
mulheres nossos irmãos, serão sempre consequência da radicalidade do
Evangelho?
Fonte: http://www.dehonianos.org
terça-feira, 4 de novembro de 2014
REFLEXÃO: 31º domingo tempo comum _ 2.11.2014
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