Publicamos nesta Seção Opinião as reflexões de Dom Alberto Taveira,
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará, com o título acima:
Muitas vezes temos diante de nossos
olhos bulas de remédios, outras são as longas orientações anexas aos
muitos aparelhos eletrônicos. Nem sempre lemos tudo isso, ainda que
saibamos o quanto são úteis para nossa vida. Os eventuais efeitos
secundários de medicamentos usados indevidamente podem trazer
consequências graves, e o desconhecimento de possibilidades oferecidas
pelos recursos tecnológicos limita o pleno aproveitamento dos mesmos.
Quanto à saúde não são supérfluas ou indiferentes às prescrições
constantes nas receitas médicas.
E a vida cristã comporta receitas? É
possível encontrar um tipo de manual, com o qual caminhar com mais
segurança na estrada da perfeição cristã? O Senhor põe à nossa
disposição prescrições destinadas à nossa saúde espiritual? Para
responder a esta pergunta, é bom lembrar-nos que, ao criar-nos com o
precioso dom da liberdade, Deus quis assentar-se conosco à mesa da vida
(Cf. Ap 3,20), para que acolhamos seu convite e abramos a porta do
coração. Como somos obra prima de sua criação, é claro que Ele oferece o
que existe de melhor para os que são feitos filhos e filhas. O ponto de
partida para a viagem da vida é que Deus nos leva a sério e nos fez
livres, para sermos felizes, como Deus é feliz.
O Catecismo da Igreja Católica começa
com a feliz constatação de que o ser humano é "capaz de Deus" (Cf.
números 27-35). De fato, "Deus não cessa de atrair o homem para si e só
em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem
descanso". Através dos múltiplos sinais, começando pela sede de infinito
existente no coração humano, o Senhor atrai para perto de si os homens e
mulheres de todos os tempos, o que se torna fonte de alegria para
todos. Vale a pena conhecer a busca incessante existente no coração das
pessoas inquietas, que querem saber mais, conhecer, descobrir estradas
novas!
Quando a Sagrada Escritura relata a
entrega dos mandamentos ao Povo de Deus (Lv 19,1-2.17-18), inclui um
convite provocante: "O Senhor disse a Moisés: Dirás a toda a assembleia
de Israel o seguinte: ‘sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou
santo". Quando a Igreja se prepara para a canonização de dois Papas de
nosso tempo, João XXIII e João Paulo II, faz muito bem saber que é
possível percorrer o caminho da santidade. Mais ainda, é bom saber que é
o melhor para todos. Não fomos feitos para chafurdar-nos na lama do
pecado e do egoísmo, mas para a felicidade, a comunhão com Deus e uns
com os outros. São Paulo (Cf. 1 Cor 3,16-23) usa uma feliz expressão,
com a qual se identifica a presença contínua de Deus em nossa vida: "Não
sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em
vós?" Não dá para fugir! Como Deus não tem duas palavras, Ele está
sempre perto de nós e, de sua parte, vai sempre insistir em que
respondamos ao seu amor. Primeiro item de nossa "receita": é possível
caminhar na direção da perfeição e esta se chama santidade!
Para alcançá-la, não se trata de fazer
um caminho de heroísmo individual, mas de guardar a Palavra de Deus. De
fato, é perfeito o amor de Deus em quem guarda sua palavra (Cf. 1Jo
2,5). Manter um diálogo constante com Deus, escutar sua Palavra que se
encontra na Escritura e sua voz presente no grande Livro que é a vida!
Para ser santos, antenas do coração e da inteligência ligadas nos
grandes sinais de Deus.
E a Palavra do Evangelho (Mt 5,38-48),
C. Trata-se de seguir as orientações! Ao encontrar-nos em situações
desafiadoras, não resistir ao mau, oferecer a outra face, ou a túnica,
quem sabe mais mil passos, ou não fugir de quem pede dinheiro
emprestado, amar os inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam, orar pelos
que nos perseguem. É natural nossa reação: seremos inativos ou tolos
diante de quem nos agride? Trata-se, sim, de acreditar na força da
não-violência, escolher os verdadeiros caminhos alternativos, com os
quais se desmonta a trama da maldade. A paciência diante das agressões, a
opção pela escuta dos que pensam de modo diferente, enxergar o lado das
outras pessoas nas questões mais delicadas, exige muito mais força e
coragem do que quebrar e destruir tudo que estiver à nossa volta.
Jesus sabia muito bem quais seriam as
reações ao seu discurso e que estas ressoariam através dos séculos no
interior das pessoas. Por isso mesmo, ofereceu o modelo para este novo
modo de encarar a vida. Trata-se de olhar para o Pai do Céu, e basta ver
o sol ou a chuva, que servem a bons e maus, justos e injustos!
Estupenda e desafiadora simplicidade! Pagar o mal com o mal não é
novidade. É fácil! "Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de
extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?" (Mt 5, 47).
Revolucionário é trazer para a terra o modo de viver que é próprio de
Deus. Perfeição é uma ação do próprio Deus no coração do discípulo.
Maior a docilidade, mais o Espírito Santo poderá agir em nós.
A proposta do Evangelho é de grande
atualidade, pois nos possibilita criar, num mundo agressivo e violento,
bolsões de vida mais digna e respeitosa. As famílias e as comunidades
cristãs podem começar a ser diferentes. O exercício da gratuidade no
relacionamento, a capacidade de gastar tempo para ouvir as pessoas, o
cultivo de valores, como a simplicidade no trato ou a civilidade de novo
cultivada. De forma muito prática, os cristãos exercitarão e ajudarão
muitas outras pessoas a descobrirem que na vida social não se pode
apenas e tão somente exigir direitos, mas há deveres a serem cumpridos e
com os quais construímos a civilização. Se não nos cuidarmos, há um
risco de verdadeira barbárie bem perto de nós, mas se começarmos a
caminhar contra a correnteza do egoísmo, a mudança já começou, e para
melhor.
Basta olhar ao nosso redor. Pode começar
com o cumprimento mais polido aos vizinhos, para alcançar o cuidado dos
estudantes com as carteiras escolares, ou as lixeiras conservadas e
utilizadas em nossos espaços públicos, a superação da agressividade no
trânsito e daí por diante!
A casa que é a Igreja será o lugar da
formação e do intercâmbio de experiências, onde as pessoas são chamadas a
compartilhar suas experiências de vida, alimentar-se do próprio Deus e
rezar umas pelas outras. Como sabemos muito bem de nossas limitações,
peçamos ao próprio Pai do Céu que nos ajude: "Concedei-nos, ó Deus
todo-poderoso, que, procurando conhecer o que é reto, realizemos vossa
vontade em nossas palavras e ações".
Por Dom Alberto Taveira,
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Fonte: http://www.gaudiumpress.org/
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