quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Limpar as palavras

Fonte: http://www.educare.pt/
Por: Adriana Campos

Não tenho qualquer dúvida de que os pais que mais ajudam os filhos a viverem o seu divórcio são aqueles que vão curando as suas feridas, nunca esquecendo que, apesar da relação conjugal ter falhado, a relação parental tem de continuar de boa saúde.
"Eis aqui um cenário conhecido. Alguém pergunta a um homem divorciado se ele tem uma família. É muito possível que ele responda algo parecido com isto:
«Já tive uma família mas o meu casamento desfez-se há três anos. A minha ex-mulher tem a guarda dos filhos e eu estou com eles ao fim de semana.»
A ex-mulher poderá descrever a sua situação nestes termos.
«Tenho três filhos, mas estou a educá-los sozinha. Eles visitam o pai ao fim de semana. O nosso casamento fracassou há três anos atrás.»
Vamos agora mudar o «guião» dos pais.
Pai: «Tenho uma família com três filhos. Vivem comigo ao fim de semana e com a mãe o resto do tempo.»
Mãe: «Tenho uma família com três filhos. Vivem comigo durante a semana e com o pai aos fins de semana. As crianças têm dois lares.»"
Ricci, I. (2004). Casa de Mãe, Casa do Pai - Um Guia para Pais Separados, Divorciados ou que Voltaram a Casar. Lisboa, Edições Sílabo, Lda., p. 76
São muitas as situações de divórcio com que sou confrontada no dia a dia. A maioria das vezes os pais pedem ajuda, no sentido de que os filhos sejam apoiados a viver o melhor possível o fim da relação conjugal. De forma muito frequente, o fim da relação a dois é marcada por verdadeiras tempestades emocionais caracterizadas pelo desrespeito, pela desconfiança e por discórdia e tensão intensas. Obviamente, os filhos acabam quase inevitavelmente por mergulhar no turbilhão de sentimentos que assaltam os adultos e por serem obrigados a adaptar-se a uma imensidão de mudanças. Estas mudanças para os filhos são tanto mais dolorosas, quanto mais dificuldade os pais tiverem em separar, os seus sentimentos pessoais dos seus papéis enquanto pais. Continuar a ser pai ou mãe, quando a relação que protagonizou este papel se desmorona, não é tarefa fácil para a maioria das pessoas.

Quando sou confrontada com pedidos de apoio em situações de divórcio, tento que os pais compreendam que o processo de separação será vivido tanto melhor pelos filhos quanto mais os pais os mantiverem afastados dos seus conflitos. Muitas crianças, em situações de separação, sentem-se verdadeiramente encurraladas em lutas de lealdade, pois querem a todo o custo agradar àqueles que amam.
A ideia de alterar a linguagem, no que toca ao divórcio, parece-me muito importante, pois essa mudança poderá ajudar a alterar juízos muito negativos que continuam a perdurar acerca desta temática. O facto de as crianças quererem ocultar o divórcio dos pais aos seus colegas mostra claramente o estigma social que ainda paira relativamente a ele. Se os pais assumirem o seu papel parental, não existirá "o lar desfeito" mas sim "dois lares" onde a criança sentirá afeto e carinho. A criança deixará de "visitar o pai ao fim de semana" e passará a "viver com ele ao fim de semana". Deixará de fazer sentido falar em "ex-mulher/ex-marido" e passará a ser muito mais correto falar em "a mãe das crianças, o pai das crianças".
Embora possa parecer, à primeira vista, que esta limpeza da linguagem é secundária na vivência da separação, acredito que o desenvolvimento de um vocabulário novo para descrever a vida familiar após o divórcio ajudará a separar os papéis de mulher ou marido dos de pai ou mãe.
Não tenho qualquer dúvida de que os pais que mais ajudam os filhos a viverem o seu divórcio são aqueles que vão curando as suas feridas, nunca esquecendo que, apesar da relação conjugal ter falhado, a relação parental tem de continuar de boa saúde. Pena é que muitas vezes se misturem papéis e que os filhos sejam envolvidos em guerras que não são deles!

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